As memórias de Rowlands às quais me refiro são dois pequenos volumes escritos pelo Rev. John Owen, Reitor de Thrussington, e o Rev. E. Morgan, Vigário de Syston, ambos no condado de Leicester. As informações privadas que recebi foram supridas por um parente do grande apóstolo de Gales, embora não em linha direta, o Rev. William Rowlands, de Fishguard, no sul de Gales. Alguns outros poucos fatos que podem interessar aos meus leitores, vem de um idoso homem de oitenta e cinco anos, o qual, quando criança, ouviu Rowlands pregar.
Capítulo I
Um dos maiores campeões espirituais do último século, o qual desejo introduzir aos meus leitores neste capítulo, é alguém muito pouco conhecido. O homem a quem me refiro é Daniel Rowlands, de Llangeitho, em Cardiganshire. Eu suspeito que milhares dentre os meus conterrâneos que sabem alguma coisa a respeito de Whitefield, Wesley e Romaine, nem mesmo ouviram falar do nome do grande apóstolo de Gales.
Ninguém deveria se surpreender com isso. Rowlands era um ministro galês, e raramente pregava em língua inglesa. Ele residiu em uma parte muito remota do Reino Unido, e é difícil que sequer tenha vindo à Londres. Seu ministério foi realizado quase que inteiramente entre as classes média e baixa em cerca de cinco condados. Só estas circunstâncias já são suficientes para explicar o fato de que tão poucas pessoas sabem alguma coisa sobre ele. Quaisquer que possam ser as causas, não há muitos ingleses que entendam galês ou que possam sequer pronunciar os nomes das paróquias onde Rowlands costumava pregar. A luz destas circunstâncias, não devemos nos surpreender se sua reputação ficou confinada à sua terra natal.
Em adição a isso, devemos lembrar que nenhum relato biográfico de Rowlands jamais foi escrito por seus contemporâneos. Material para tal relato foi coletado por um de seus filhos e remetido à Lady Huntigdon. Desafortunadamente a morte dela, logo depois, impediu que este material fosse usado; e nunca se soube o que aconteceu com ele depois de sua morte. As únicas memórias de Rowlands são duas biografias escritas por ministros que ainda estão vivos. Ambas são excelentes e úteis para o que se propõem, mas, certamente, têm a desvantagem de terem sido escritas muito tempo depois que os assuntos que tratam ocorreram.
Estes dois volumes e algumas valiosas informações que consegui obter de um gentio correspondente em Gales são as únicas fontes sobre o assunto aos quais tive acesso para esboçar esta memória.
Suficiente, entretanto, e mais do que suficiente existe para provar que Daniel Rowlands, no sentido mais elevado, foi um dos gigantes espirituais do século passado. O fato é que Lady Huntingdon, se não houver outro meio de julgar ministros, tinha a mais elevada opinião de Rowlands. Poucas pessoas tiveram melhor oportunidade para formar um julgamento de pregadores do que ela, e ela considerava Rowlands o segundo, ultrapassado apenas por Whitefield. O fato é que nenhum pregador britânico do século passado reuniu em um distrito tão grande congregação de almas por cinqüenta anos como Rowlands fez. O fato é, acima de tudo, que nenhum homem há cem anos atrás parecia pregar com tal indiscutível poder do Espírito Santo acompanhando-o como Rowlands. Estes grandes fatos isolados não podem ser questionados. Como os poucos ossos espalhados dos extintos mamutes e mastodontes, eles falam volumes a todos os que têm ouvidos para ouvir. Eles nos dizem que ao considerar e examinar a vida de Daniel Rowlands, nós não estamos lidando com um homem comum.
Daniel Rowlands nasceu no ano de 1713, em Panty-Beudy, na paróquia de Llancwnlle, perto de Llangeitho, em Cardiganshire. Ele era o segundo filho do Rev. Daniel Rowlands, Reitor de Llangeitho, e Jennet, sua esposa. Quando criança, aos três anos de idade, ele escapou por pouco de morrer, como John Wesley. Uma grande pedra caiu da chaminé no preciso lugar onde ele estivera sentado dois minutos antes, a qual, se ele não tivesse providencialmente mudado de lugar, certamente o teria matado. Nada mais se sabe a respeito dos seus primeiros vinte anos de vida, exceto que ele recebeu sua educação em Hereford Grammar School, e que perdeu seu pai quando tinha dezoito anos de idade. Parece, por uma placa (inscrição) na igreja de Llangeitho, que quando Rowlands nasceu seu pai tinha cinqüenta e quatro anos e sua mãe, quarenta e cinco. Logo, a morte do seu pai provavelmente não foi um evento prematuro, visto que deve ter atingido a idade de sessenta e dois anos.
Por uma razão ou outra que não podemos precisar, Rowlands parece não ter ido à nenhuma universidade. A morte do seu pai pode ter interferido na situação da família. De qualquer modo, o próximo fato que ouvimos sobre ele após a morte de seu pai é sua ordenação em Londres, com a pouca idade de vinte anos, no ano de 1733. Ele foi ordenado por cartas demissórias do Bispo de St. David, e é recordado como uma prova curiosa tanto de sua pobreza como de sua diligência de caráter, que ele foi a Londres a pé.
O posto para o qual Rowlands foi ordenado foi o de curado de seu irmão mais velho, John, o qual havia sucedido seu pai, e era o responsável pelas três localidades vizinhas de Llangeitho, Llancwnlle e Llandewidrefi. Ele parece ter iniciado seu ministério como milhares em sua época – sem o menor sentido de suas responsabilidades e totalmente ignorante do Evangelho de Cristo. De acordo com Owen, ele era um bom erudito clássico, e havia progredido rapidamente em todo o estudo secular, em Hereford School. Mas, na vizinhança onde ele nasceu e iniciou seu ministério, é relatado que ele nunca deu nenhuma prova de estar habilitado para ser um ministro. Ele era conhecido apenas como um homem de notável vivacidade natural, de estatura mediana, de constituição firme, de ação rápida e ágil, muito destro, e bem-sucedido em todos os jogos e diversões desportivas, e tão pronto quanto qualquer outro a, após realizar seus deveres na igreja, no domingo de manhã, gastar o resto do dia do Senhor nos esportes e festanças, quando não em bebedice.
Este foi o caráter do grande apóstolo de Gales, por algum tempo, mesmo após sua ordenação! Ele era o tipo de pessoa que depois não poderia esquecer as palavras de Paulo aos Coríntios ‘‘tais fostes alguns de vós’’ (1 Co 6:11), ou duvidar da possibilidade de conversão de qualquer pessoa.
O tempo preciso e a forma como Rowlands se converteu são pontos envolvidos em muita obscuridade. De acordo com Morgan, a primeira coisa que o despertou de seu torpor espiritual foi a descoberta de que por melhor que tentasse pregar, ele não podia evitar que nenhuma de suas congregações fossem completamente esvaziadas por um ministro dissidente chamado Pugh. Diz-se que isto fez com que ele alterasse seus sermões, e adotasse um estilo mais vivo e urgente de pregação. De acordo com Owen, ele primeiramente caiu em si ao ouvir um excelente e bem conhecido ministro, chamado Griffith-Jones, pregar em Llandewibrefi. É dito que nesta ocasião, seu comportamento ao se encontrar no meio do povo diante do púlpito era tão cheio de vaidade, soberba e leviandade que o Sr. Jones parou o seu sermão, e orou especialmente por ele, a fim de que Deus tocasse o seu coração e fizesse dele um instrumento para transportar almas das trevas para a luz. Diz-se que esta oração teve um imenso efeito sobre Rowlands e que ele passou a ser um homem diferente a partir daquele dia. Eu não tentarei conciliar os dois relatos. Eu bem posso acreditar que ambos são verdadeiros. Quando o Espírito Santo toma em mãos a conversão de uma alma, ele freqüentemente ocasiona uma variedade de circunstâncias que concorrem e cooperam em produzi-la. Isto, eu estou certo, é o testemunho de todo crente experimentado. Owen soube de alguns fatos e Morgan de outros. Ambos, provavelmente, aconteceram ao mesmo tempo e ambos provavelmente são verdadeiros.
De qualquer modo uma coisa é certa. A partir de 1738, quando Rowlands tinha vinte e cinco anos, uma completa transformação ocorreu em sua vida e ministério. Ele começou a pregar como um homem com sério ardor, e a falar e a agir como alguém que havia descoberto que pecado, morte, julgamento, céu, inferno, eram grandes realidades. Agraciado mais do que a maioria dos homens, com qualificações físicas e mentais para a obra de púlpito, ele começou a consagrar-se totalmente a isto, e atirou-se de corpo, alma e mente aos seus sermões. A conseqüência, como era de se esperar, foi um enorme grau de popularidade. As igrejas onde ele pregava ficavam superlotadas. O efeito do seu ministério no que diz respeito ao despertamento de pecadores, foi alguma coisa tremenda. ‘‘A impressão’’, diz Morgan, ‘‘no coração da maioria das pessoas era de terror e desespero, como se eles estivessem vendo o fim do mundo aproximando-se e o inferno pronto para tragá-los. Sua fama cedo se espalhou por todo o condado, e as pessoas vinham de todas as partes para ouvi-lo. Não apenas as igrejas ficavam cheias, mas também a área ao redor delas. E dito que sob profunda convicção, um bom número de pessoas prostrava-se no chão ao redor da igreja de Llancwnlle, e não era fácil para uma pessoa passar sem chocar-se com alguns deles.’’
Nesta época, por mais curioso que possa parecer, fica claro que Rowlands não pregava todo o Evangelho. Seu testemunho era indubitavelmente verdadeiro, mas ainda assim, não era toda a verdade. Ele pintava a espiritualidade e o poder condenatório da Lei com cores tão vivas que seus ouvintes tremiam diante dele e clamavam por misericórdia. Mas ele não havia ainda exaltado a Cristo em toda sua plenitude, como um refúgio, um médico, um redentor e um amigo; por isso, embora muitos fossem feridos, não eram curados. Por quanto tempo ele pregou deste modo é difícil de dizer, devido ao tempo que nos separa. Até onde eu posso determinar, comparando datas, isto durou cerca de quatro anos. A obra que ele fez para Deus neste período, eu não tenho dúvida, foi extremamente útil, como uma preparação para a mensagem que pregaria depois. Eu particularmente acredito que há lugares, tempos, épocas e congregações nos quais uma poderosa pregação da Lei é de grande valor. Eu suspeito fortemente que muitas pregações evangélicas nos dias presentes seriam imensamente beneficiadas por uma ampla e poderosa exibição da Lei de Deus. Mas que houve muita Lei na pregação de Rowlands durante os quatro anos que seguiram sua conversão, tanto para o seu próprio conforto quanto para o bem de seus ouvintes, é muito evidente através dos relatos fragmentários que restam do seu ministério.
O modo pelo qual a mente de Rowlands foi gradualmente dirigida à plena luz do Evangelho não tem sido totalmente explicado por seus biógrafos. Talvez a explicação mais simples seja encontrada nas palavras de nosso Senhor Jesus Cristo, ‘‘se alguém quiser fazer a vontade dele, conhecerá a respeito da doutrina’’ (Jo 7:17). Rowlands, evidentemente, foi um homem que viveu honestamente à altura da luz que tinha, e prosseguiu em conhecer ao Senhor. Seu Mestre cuidou a fim de que ele não andasse por muito tempo em trevas, mas mostrou-lhe a ‘‘luz da vida’’. Um dos principais instrumentos para guiá-lo a toda verdade foi o mesmo Sr. Pugh, o qual anteriormente havia esvaziado sua congregação. Ele se interessou bastante por Rowlands neste período crítico de sua história espiritual e lhe deu muitos conselhos excelentes. ‘‘Pregue o Evangelho, caro senhor’’, ele dizia; ‘‘pregue o Evangelho ao povo, e aplique o bálsamo de Gileade, o sangue de Cristo, às suas feridas espirituais, e mostre a necessidade de fé no Salvador crucificado.’’ Felizes, na verdade, são os jovens ministros que têm um Áquila ou uma Priscila perto deles, e ao receberem bons conselhos, desejam ouvi-lo! A amizade do eminente leigo Howel Harris, com o qual Rowlands teve contato durante esta época foi, sem dúvida, uma grande ajuda adicional à sua alma. De um modo ou de outro, o grande apóstolo de Gales foi gradualmente conduzido à plena luz da verdade de Cristo; e ao redor do ano de 1742, aos trinta anos de idade, estabeleceu-se como um pregador de um evangelho singularmente pleno, livre, claro e bem balanceado.
O efeito do ministério de Rowlands deste tempo em diante até o fim de sua vida foi algo tão vasto e prodigioso, que quase tira a respiração ouvir sobre ele. Infelizmente nós vemos tão poucas influências espirituais nos dias de hoje, e as operações do espírito Santo parecem confinadas dentro de limites tão estreitos e alcançar tão poucas pessoas, que os frutos colhidos em Llangeitho, há cem anos atrás soam quase que inacreditáveis. Mas a evidência dos resultados de sua pregação é tão abundante e incontestável que não há lugar para dúvidas. Um testemunho universal consiste no fato de que Rowlands foi uma bênção para centenas de almas. Pessoas costumavam se aglomerar para ouvi-lo pregar de todas as partes do Reino, e não se importavam em viajar cinqüenta ou sessenta milhas para este propósito. Não era incomum, nos domingos de Santa Ceia, ele ter mil e quinhentos, dois mil ou até dois mil e quinhentos comungantes! As pessoas, nestas ocasiões, iam juntas, em grupos, como os judeus subindo para a festa no templo em Jerusalém. Retornavam depois para casa cantando hinos e Salmos na viagem, sem atentar para a fadiga.
E inútil tentar atribuir estes efeitos do ministério do grande pregador de Gales, como muitos fazem, a excitamento religioso. Estas pessoas fariam bem em lembrar-se que a influência que Rowlands tinha sobre seus ouvintes não desvaneceu por pelo menos quarenta e oito anos. Ela, sem dúvida, teve seus fluxos e refluxos, e elevou-se em diversas ocasiões à primavera dos reavivamentos; mas, em tempo algum, seu ministério deixa de apresentar resultados imensos e sem paralelo. De acordo com Charles of Bala e muitas outras testemunhas inquestionáveis, seu ministério parecia tão atrativo e eficaz quando ele tinha setenta anos de idade, quanto quando tinha cinqüenta. Quando, além disso, recordamos o fato singular que pelo menos aos domingos, Rowlands muito dificilmente ausentava-se de Llangeitho, e que por quarenta e oito anos ele esteve constantemente pregando no mesmo lugar, ao invés de pregar sempre para congregações novas como Whitefield e Wesley, nós certamente devemos admitir que poucos pregadores obtiveram tal extraordinário sucesso espiritual desde os dias dos apóstolos.
Certamente seria absurdo dizer que não houve excitamento, crentes não sadios, hipocrisia e fogo falso entre os milhares que se aglomeravam para ouvir Rowlands. Houve muito, sem dúvida, como sempre haverá quando grandes massas de pessoas reúnem-se juntas. Talvez nada seja tão contagioso quanto um tipo de cristianismo simulado e sensacional, e particularmente entre pessoas sem instrução e ignorantes. Os galeses também são notoriamente um povo excitável. Ninguém, entretanto, estava mais plenamente despertado para estes perigos do que o próprio grande pregador, e ninguém poderia advertir seus ouvintes mais incessantemente de que o cristianismo que não era prático era inútil e vão. Apesar de tudo, entretanto. os efeitos do ministério de Rowlands foram claros e palpáveis demais para serem equivocados. Há clara e abundante evidência de que as vidas de muitos de seus ouvintes foram grandemente transformadas depois que o ouviram pregar, e que o pecado foi refreado, e que um distinto conhecimento do Cristianismo cresceu a um ponto surpreendente por todo o Reino.
Nenhum cristão ficará surpreendido em ouvir que desde muito cedo Rowlands descobriu que era impossível confinar seus labores à sua própria paróquia. O estado do país era tão deplorável no que diz respeito à religião e à moralidade, e as solicitações que ele recebia por ajuda eram tantas, que ele sentiu que não tinha escolha nesta questão. As circunstâncias sobre as quais ele começou a pregar fora de sua própria vizinhança, segundo descreve Owen, são tão interessantes que eu transcreverei suas palavras na íntegra: ‘‘Havia uma esposa de um fazendeiro em Ystradffin, no condado de Carmarthen, que tinha uma irmã morando perto de Llangeitho. Esta mulher ocasionalmente vinha ver sua irmã; e em uma destas ocasiões, ela ouviu algumas coisas estranhas a respeito do ministro da paróquia – isto é – Rowlands. Dizia-se comumente que ele não era bom da cabeça. Não obstante, ela foi ouvi-lo, e não foi em vão; mas ela não falou nada à sua irmã nem a ninguém mais acerca do sermão, e retornou para casa para sua família. No domingo seguinte ela voltou à casa de sua irmã em Llangeitho. “O que foi que houve?”, disse sua irmã com grande surpresa. “Seu marido e seus filhos estão bem?” Ela temia por vê-la novamente tão cedo e inesperadamente que alguma coisa ruim houvesse acontecido. “Oh, não”, foi a resposta, “nada disso está fora de ordem”. Novamente ele perguntou: “Então qual é o problema?” Ao que ela respondeu: “Eu não sei bem qual é o problema. Alguma coisa que o seu ministro maluco disse no domingo passado trouxe-me aqui novamente. Isto grudou na minha mente durante toda a semana, e não me deixou por um momento nem de noite nem de dia.” Ela foi ouvi-lo novamente, e continuou a vir todo domingo, embora a estrada fosse difícil e montanhosa, e sua casa ficasse a mais de vinte milhas de Llangeitho.
‘‘Depois de ouvir Rowlands continuamente por cerca de meio ano, ela sentiu um forte desejo de convidá-lo para ir pregar em Ystrandffin. Ela decidiu que iria tentar; e depois do culto em um domingo, ela foi a Rowlands e o interpelou da seguinte maneira: “Senhor, se o que o Sr. diz é verdade, há muitos na minha região em uma situação muito perigosa, caminhando rapidamente para a miséria eterna. Por amor às almas deles, venha até nós, senhor, para pregar a eles.” O pedido da mulher pegou Rowlands de surpresa; mas sem um momento de hesitação ele disse rápido como era seu costume: “Está bem, eu irei, se você conseguir a permissão do ministro de sua paróquia.” Isto satisfez a mulher, e ela retornou para casa tão feliz quanto se houvesse encontrado um tesouro. Ela aproveitou a primeira oportunidade para pedir a permissão do seu ministro, e facilmente teve sucesso. No domingo seguinte ela foi alegremente a Llangeitho, e informou Rowlands sobre o seu sucesso. Cumprindo sua promessa ele foi e pregou em Ystrandffin, e seu primeiro sermão ali foi maravilhosamente abençoado. Diz-se que não menos do que trinta pessoas foram convertidas naquele dia! Depois disso, muitos deles vinham ouvi-lo regularmente em Llangeitho.’’
Deste tempo em diante, Rowlands nunca hesitou em pregar fora de sua própria paróquia, sempre que uma porta se abrisse. Quando podia ele pregava em igrejas. Quando as igrejas lhe estavam fechadas ele pregava em uma sala, em um celeiro, ou a céu aberto. Entretanto, em nenhuma época de sua vida ministerial ele pareceu ser tão itinerante quanto alguns de seus contemporâneos. Ele corretamente achava que os ouvintes do Evangelho precisavam ser tão edificados quanto despertados, e para este trabalho ele era peculiarmente bem qualificado. Assim, o que quer que ele fizesse nos dias de semana, o domingo geralmente o encontrava em Llangeitho.
As circunstâncias nas quais ele começou a pregar em campo aberto foram não menos interessantes do que aquelas em que foi chamado para pregar em Ystrandffin. Parece que após sua própria conversão ele sentiu grande ansiedade a respeito da condição espiritual de seus velhos companheiros de pecado e tolices. A maioria deles eram jovens tão cabeça-duras que não gostavam de ouvir seus penetrantes sermões e se recusavam até mesmo a ir à igreja. ‘‘O costume deles’’, diz Owen, ‘‘era ir aos domingos a um lugar apropriado em uma das montanhas próximas de Llangeitho, e ali se distraírem com esportes e jogos.’’ Rowlands tentou por todos os meios acabar com esta pecaminosa profanação do dia do Senhor, mas por algum tempo falhou completamente. Por fim, decidiu ir lá ele mesmo em um domingo. Visto que aqueles rebeldes contra Deus não vinham a ele, na igreja, ele resolveu ir aonde estavam. Assim, ele foi e subitamente entrou no ringue quando acontecia uma briga de galo, e falou-lhes poderosa e ousadamente sobre a pecaminosidade da conduta deles. O efeito foi tão grande que nenhuma boca se abriu para responder-lhe ou opor-se a ele, e daquele dia em diante eles desistiram definitivamente daqueles encontros no dia do Senhor. Rowlands nunca mais hesitou, pelo resto de sua vida, sempre que a ocasião requeria, pregar em céu aberto.
O ministério extra-paroquial que Rowlands realizou através de sua pregação itinerante foi cuidadosamente acompanhado para não permitir que caísse por terra. Ninguém melhor do que ele compreendia que as almas requerem quase tanta atenção depois que são despertadas quanto antes, e que na lavoura espiritual há necessidade de regar assim como de plantar. Assim, ajudado por alguns zelosos colaboradores, tanto leigos quanto ministros, ele estabeleceu um sistema regular de sociedades, de acordo com o esquema de John Wesley, por toda parte de Gales, através do qual ele conseguia manter constante contato com todos os que valorizavam o Evangelho que ele pregava, e mantê-los juntos. Estas sociedades eram todas conectadas com uma grande associação que se reunia quatro vezes por ano, e da qual ele era geralmente o moderador. A influência destes encontros da associação pode ser medida pelo fato de que mais cem ministros no Reino o consideravam como seu pai espiritual! Desde o início essa associação parece ter sido uma instituição muito sabiamente organizada e útil, e a ela pode ser atribuída a existência do Calvinismo Metodista em Gales nos dias de hoje.
O poderoso instrumento que Deus empregou para realizar toda boa obra que venho descrevendo não pôde fazê-la sem muitas provocações. Com o propósito sábio e bom, sem dúvida, – de mantê-lo humilde em meio ao seu imenso sucesso e prevenir que fosse demasiadamente exaltado – ele foi chamado a beber muitos cálices amargos. Como seu Mestre divino, ele foi ‘‘um homem de sofrimentos e de muitas tristezas’’. A maior destas provações, sem dúvida, foi a sua expulsão da Igreja da Inglaterra em 1763, depois de servi-la fielmente por quase nada, como um ministro ordenado por trinta anos. O modo pelo qual este desastroso acontecimento ocorreu, foi tão notável que merece ser descrito na íntegra.
Deve-se lembrar que Rowlands nunca foi o encarregado de uma paróquia. Desde o tempo de sua ordenação em 1733, ele foi simplesmente curado de Llangeitho, sob a autoridade de seu irmão John, até a época da morte dele em 1760. Que tipo de ministro foi seu irmão mais velho, não é muito claro. Ele morreu afogado em Aberystwinth, e nós só sabemos que por vinte e sete anos ele parece ter deixado tudo nas mãos de Daniel em Llangeitho, e ter permitido que ele fizesse o que queria. Por ocasião da morte de John Rowlands, o Bispo de St. David, que era patrono de Llangeitho, foi solicitado a dar o lugar ao seu irmão Daniel, devido à óbvia razão que ele vinha servindo a paróquia como curado por não menos de vinte e sete anos! Infelizmente o bispo recusou-se a atender a solicitação, alegando como desculpa que ele havia recebido muitas queixas quanto às suas irregularidades. Ele tomou a decisão mais simples de dar o lugar a John, o filho de Daniel Rowlands, um jovem homem de vinte e sete anos de idade. O resultado desse procedimento muito esquisito foi que Daniel Rowlands tornou-se curado de seu próprio filho, assim como havia sido curado de seu próprio irmão, e continuou seus labores em Llangeitho por mais três anos ininterruptamente.
Não é difícil de imaginar as razões que levaram o Bispo de St. David a se recusar a dar a Rowlands o living (incumbência) de Llangeitho. Ele sabia que enquanto ele fosse apenas um curado, ele poderia facilmente silenciá-lo. Uma vez que Rowlands fosse designado e empossado como o encarregado, ele ocuparia uma posição da qual não poderia ser removido a não ser com muita dificuldade. Influenciado, provavelmente, por algumas considerações, deste tipo, o bispo permitiu que Rowlands continuasse pregando em Llangeitho como curado de seu próprio filho, advertindo-o ao mesmo tempo que o clero de Gales estava constantemente queixando-se de suas irregularidades, e que ele não poderia passar por cima delas por muito tempo. Deve ser lembrado que estas ‘‘irregularidades’’ não eram nem embriaguês, nem a quebra do sétimo mandamento, caça, tiro ao alvo, ou jogo! A sua única ofensa era pregar fora de sua própria paróquia, sempre que podia conseguir ouvintes! Às ameaças do bispo, Rowlands respondeu ‘‘que ele não tinha em vista a não ser a glória de Deus na salvação de pecadores, e visto que seus labores haviam sido tão abençoados, ele não poderia desistir deles’’.
O passo fatal foi dado, finalmente, em 1763. O bispo mandou a Rowlands um mandato revogando sua licença, sendo que foi tolo o suficiente para mandar entregá-la em um domingo! A sobrinha de uma testemunha ocular do fato descreve o que aconteceu nas seguintes palavras: ‘‘Meu tio estava na Igreja de Llangeitho naquela manhã exata. Um estranho foi a frente e entregou ao Sr. Rowlands uma notificação do bispo, exatamente no momento exato em que subia ao púlpito. O Sr. Rowlands leu-a, e comunicou ao povo que a carta que ele acabara de receber era do bispo, revogando sua licença. Então o Sr. Rowlands disse: ‘Nós devemos obedecer às autoridades superiores. Assim, eu peço que saiam calmamente, e então concluiremos o culto da manhã fora da igreja.’ E assim eles saíram, chorando e soluçando. Meu tio achou que não havia um olho seco na igreja naquele momento. Desse modo, o Sr. Rowlands pregou fora da igreja com extraordinário efeito.’’
É literalmente difícil de conceber um exercício do poder episcopal mais inoportuno e errôneo do que este! Aí estava um homem de dons e virtudes singulares que não tinha nenhuma objeção quanto aos Artigos e Livro de Orações, expulso da Igreja da Inglaterra, por nenhuma outra razão, a não ser excesso de zelo. E esta objeção ocorreu em uma época quando grande número de ministros galeses negligenciavam vergonhosamente seus deveres, e eram freqüentemente beberrões, jogadores e homens dedicados apenas aos esportes, se não pior! Que o bispo depois se arrependeu amargamente do que fez é, na verdade, um consolo muito pobre. Era tarde demais. O mal já havia sido feito. Rowlands foi colocado para fora da Igreja da Inglaterra, e um número imenso dentre o seu povo por toda Gales o seguiu. Uma ruptura foi feita na Igreja Estabelecida, a qual provavelmente nunca mais será sanada. Enquanto houver mundo, a Igreja da Inglaterra em Gales jamais se eximirá da injúria feita a ela através da despropositada e estúpida revogação da licença de Daniel Rowlands.
Há muitas razões para crer que Rowlands sentiu profundamente sua expulsão. Entretanto, isto não fez diferença alguma em sua linha de ação. Seus amigos e seguidores logo lhe construíram uma grande e cômoda capela na paróquia de Llangeitho, e migraram para lá como um corpo. Ele nem mesmo a reitoria (deixar o local em que morava), pois seu filho, sendo reitor permitiu que ele permanecesse ali enquanto viveu. Na verdade, foi a Igreja da Inglaterra que perdeu tudo ao expulsá-lo, e não ganhou absolutamente nada. O grande pregador de Gales não foi silenciado praticamente por um só dia, e a Igreja da Inglaterra apenas colheu frutos de opróbrio e desagrado em Gales, que está produzindo frutos até hoje.
Desde a época de sua expulsão até a sua morte, o curso da vida de Rowlands parece ter sido sereno num grau comparativo. Não mais perseguido e esnobado por superiores eclesiásticos, ele prosseguiu seu caminho por vinte e sete anos em grande quietude, popularidade não diminuída, e imensa utilidade, morrendo finalmente na reitoria de Llangeitho no dia 16 de outubro de 1790, com a avançada idade de setenta e sete anos.
‘‘Ele esteve doente durante o último ano de sua vida’’, diz Morgan, ‘‘mas em condições de continuar seu ministério em Llangeitho, embora raramente fosse a qualquer outro lugar. Era seu desejo particular que pudesse deixar seu ministério diretamente para seu descanso eterno, sem ficar por muito tempo em um leito de morte. Aprouve ao seu Pai Celestial atender seu desejo, e quando sua partida estava se aproximando, ele teve a agradável idéia de que seu fim estava se aproximando.’’
Um de seus filhos fornece o seguinte interessante relato dos seus últimos dias: ‘‘Meu pai fez as seguintes observações, em seu sermão dois domingos antes da sua partida. Ele disse: ‘Eu estou quase partindo, e a ponto de ser tomado de entre vocês. Eu não estou cansado da obra, mas na obra. Tenho o pressentimento de que o meu Pai Celestial cedo me aposentará dos meus labores, e me lavará para meu descanso eterno. Mas espero que Ele permanecerá com Sua graciosa presença entre vocês depois que eu vá.’ Ele nos disse, conversando sobre sua partida, após o culto no domingo passado, que ele gostaria de morrer de modo calmo e sereno, e que esperava não ser perturbado por nossos lamentos e prantos. Ele acrescentou, ‘‘eu não tenho nada mais para apresentar a fim de ser aceito por Deus, do que tenho sempre apresentado: ‘eu morro como um pobre pecador, dependendo total e inteiramente dos méritos de um Salvador crucificado para ser aceito por Deus.’ Nas suas últimas horas ele usou freqüentemente a expressão, em latim, que Wesley usou em seu leito de morte – ‘Deus seja conosco’, e finalmente partiu em grande paz.’’
Rowlands foi enterrado em Llangeitho, no lado oeste da igreja. Seus inimigos puderam expulsá-lo do púlpito, mas não dos jardins (cemitério) da igreja. Um antigo habitante da paróquia, agora com oitenta e cinco anos, diz: ‘‘Eu me lembro muito bem de sua tumba, e muitas vezes li a inscrição, seu nome e idade, com o de sua esposa, Eleonor, que morreu um ano e dois meses depois do marido. A pedra foi colocada sobre uma parede de três pés de altura, mas agora se encontra gasta pelas mãos do tempo.’’
Rowlands foi casado. Acredita-se que sua esposa tenha sido a filha do Dr. Davies de Glynwchaf, perto de Llangeitho. Ele teve sete filhos que sobreviveram a ele e dois que morreram na infância. O que aconteceu com sua família, e se houve descendentes diretos dele, eu não pude descobrir com certeza.
O retrato dele que é encontrado em frente à página de título de suas biografias escritas por Morgan e Owen, dá a idéia de que Rowlands era um homem sério, de aparência solene. Este retrato foi provavelmente tirado do retrato que Lady Huntingdon mandou um artista fazer bem no fim de sua vida. O digno e idoso santo não gostou de modo algum que o retratassem. ‘‘Por que o senhor faz objeção?”, disse finalmente o artista. ‘‘Por que?’’, replicou o velho homem com grande ênfase; ‘‘Eu sou apenas um pouco de barro, como você mesmo.’’ E então exclamou: “Essa não! Essa não! Essa não! Fazer um retrato de um pobre pecador! Essa não! Essa não!” ‘‘Seu semblante’’, diz Morgan, ‘‘logo fechou, e esta é a razão pela qual a pintura parece tão pesada e abatida.’’
Eu ainda tenho outras coisas para dizer sobre Rowlands. Sua pregação e muitas histórias características a seu respeito merecem menção especial. Mas eu reservarei estes assuntos para o capítulo seguinte.
Por: J. C. Ryle
* Traduzido por Paulo R. B. Anglada, a partir de J. C. Ryle, Christian Leaders of 18th. Century (reprint, Edinburgh and Pennsylvania: The Banner of Truth Trust, 1978), 180-215. Tradução incompleta.