Neste Capítulo, Calvino fala da magnífica manifestação do conhecimento de Deus na obra da criação, enaltecendo o ser humano como evidência máxima da sabedoria divina. Fala da superstição humana e do engano dos filósofos, mostrando a perversidade de toda religião inventada pelo homem. Mostra que só a ordem natural é insuficiente para manifestar a plena natureza de Deus e considera a Bíblia como a fonte única do verdadeiro conhecimento de Deus, capaz de proteger o homem do erro na avaliação desse conhecimento. Conclui dizendo que o conhecimento que a Bíblia nos dá a respeito do conhecimento de Deus é superior ao conhecimento que dele nos oferece a obra da criação.
Agora é preciso sustentar também que se afastam do Deus único todos quantos adulteram a religião pura, como acontece, necessariamente, com todos os que se entregam à sua própria opinião (a respeito de religião). É bem verdade que se orgulharão de ter em mente coisa melhor. No entanto o que pretendem ou o de que se convençam não vem muito ao caso, porque o Espírito Santo trata como apóstatas a todos quantos, por causa da cegueira da própria mente, colocam os demônios no lugar de Deus (I Co. 10:20).
Por esta razão, Paulo afirma que os (Ef. 2:12) haviam estado sem Deus até que tivessem aprendido, pelo Evangelho, o que significa adorar ao Deus verdadeiro. E não se deve restringir esta verdade a uma só nação apenas porque, em outro lugar (Rm. 1:21), Paulo afirma, em termos mais gerais, que depois de ter sido manifestado aos homens, na própria estrutura do universo, a majestade do Criador, todos os mortais se tornaram vãos em suas cogitações.
E, por isso, para dar lugar ao Deus verdadeiro e único, a Escritura (Hc. 2:18-20) condena como falsidade e mentira tudo quanto outrora foi celebrado a respeito da Divindade, entre os povos, e nem reconhece qualquer outra divindade senão no Monte Sião, onde florescia o adequado conhecimento de Deus.
No tempo de Cristo, sem dúvida, os Samaritanos, dentre os gentios, pareceram estar bem próximos da verdadeira piedade. Entretanto, Cristo (Jo. 4:22) disse que eles não sabiam o que adoravam. Conclui-se daí que os Samaritanos foram enganados por erros fúteis.
Afinal, mesmo que nem todos se tenham entregado à prática de vícios grosseiros, ou nem todos se tenham resvalado para abertas idolatrias, nem mesmo assim existiu qualquer religião pura e aprovada, que tivesse se fundamentado apenas no senso comum. Pois ainda que uns poucos não tenham cedido à loucura do vulgacho, ainda permanece firme o ensino de Paulo (I Co. 2:8), que diz que a sabedoria de Deus não foi aprendida pelos príncipes deste mundo. Ora, se até os mais excelentes dentre os homens andaram todos ao sabor das trevas, quê se haverá de dizer da própria escória?
Por isso, nada há de surpreendente no fato de o Espírito Santo repudiar como degenerescências, a todos os cultos inventados pelo arbítrio dos homens, visto que, quando se trata dos mistérios celestes, a opinião humana é a mãe do erro, não obstante nem sempre gerar abundante amontoado de erros! Quando nada pior aconteça, contudo, não é falta leve adorar, ao acaso, a um Deus desconhecido (At.17:23). Nesta culpa, entretanto, conforme o próprio Cristo sentencia (Jo. 4:22), incorrem todos os que não foram ensinados pela lei a respeito de quê Deus se deve cultuar.
E, na verdade, os que têm sido conclamados como os mais excelentes legisladores, não foram além da idéia de que a religião teria nascido do consenso público. É assim que, no Xenofonte, Sócrates louva a resposta de Apolo, que preceituou que cada um deveria adorar aos deuses da mesma forma como o fizeram os antepassados, e de acordo com o costume da própria cidade. Porém, de onde vem, aos mortais, o direito de definir, por sua própria autoridade, (A divindade que se deve adorar), direito esse que ultrapassa os próprios limites do mundo? Ou quem poderia, a tal ponto, concordar com as determinações dos ancestrais, ou com as ordenanças do povo, para receber, sem hesitação, a um Deus que lhe seja imposto em bases puramente humanas? Ao invés de cada um sujeitar-se à opinião alheia (a respeito desta matéria), cada um persistirá no seu próprio parecer.
Portanto, uma vez que é excessivamente fraco e frágil – na adoração de Deus – o vinculo da piedade, quer seja ele baseado na praxe da cidade, quer seja ele baseado no consenso da Antigüidade, resta-nos receber, do próprio Deus, o testemunho que Ele nos dá de Si mesmo.
Notas: As Institutas da Religião Cristã – Livro I, Capítulo 5