A regra pela qual é medida a culpa do pecado

Notas: Fevereiro 4, 1846

TEXTO – “No passado Deus não levou em conta em conta essa ignorância, mas agora ordena que todos, em todo lugar, se arrependam. Pois estabeleceu um dia em que há de julgar o mundo com justiça, por meio do homem que designou. E deu provas disso a todos, ressuscitando-o dentre os mortos.” – (Atos 17:30,31).

Eu recentemente preguei um sermão sobre a impenitência no qual eu fiz uma larga insistência no tamanho da culpa que se tem quando se comete o pecado com bastante luz. Tenho em mente agora o discutir este assunto mais detalhadamente.

O texto declara que Deus julgará ao mundo com justiça. Não vou fazer ênfase no fato de que Deus julgará ao mundo, nem sobre o fato de que este juízo será com justiça, senão que procurarei dilucidar com que regra vai ser medida nossa culpa; ou, em outras palavras, o que vai implicado no julgar ao mundo com justiça. Qual é a regra justa com a qual vai ser medida, e em conseqüência o justo castigo que corresponderá aos pecadores?

Ao tratar deste tema considero importante:

I. Declarar brevemente quais são as condições da obrigação moral, e;

II. Ir diretamente ao ponto principal, a regra pela qual vai ser medida a culpa.

I. Declaração breve das quais são as condições da obrigação moral.

1. A obrigação moral faz referência à última intenção da mente. O objetivo a vista, e não o mero ato externo, é o que a lei considera sempre e ao qual se predica ou adscreve a culpa. Sem dúvida, a culpa não pode ser predicada meramente do ato externo, aparte da intenção, porque o ato externo que não está de acordo com a intenção, como é o caso de acidentes, nunca pensamos em imputá-lo como culpa; e se está de acordo com a intenção, sempre, quando obramos de modo racional, adscrevemos a culpa à intenção, e não meramente à mão ou à língua, que são os órgãos da mente na maldade.

Este é um princípio que todo o mundo admite assim que o tenha entendido. A coisa, em si, está nas intuições afirmativas da mente de toda criança. Tão pronto como uma criança captou a primeira idéia de bem e mal, vai desculpar-se da culpa dizendo que não queria fazê-lo, e sabe muito bem que se a desculpa é verdadeira, é válida e boa como desculpa, e além do mais sabe que todo o mundo vai admiti-la como tal. Este sentimento se acha presente na mente de todos, e ninguém pode negá-lo de modo inteligente.

2. Havendo deixado isto claro estou preparado para fazer notar que a primeira condição da obrigação moral é a possessão dos poderes necessários por parte do ente (ou agente) moral. Tem que ter inteligência suficiente para compreender até certo ponto o valor do fim a escolher ou recusar, pois, de outro modo, não pode haver decisão responsável. Tem que haver, até certo grau, sensibilidade ao bem que se busca e ao mal que se evita, de outro modo não se executaria nenhuma ação ou esforço, e tem que haver também o poder de decidir entre vários possíveis cursos a seguir. Estes são requisitos evidentes para a decisão moral, ou, em outras palavras, para uma ação e obrigação moral responsável.

3. É essencial para a obrigação moral que a mente conheça numa certa medida o que é que tem intenção de fazer.

Tem que captar até certo ponto o valor do fim a perseguir, pois de outro modo não há decisão responsável para este fim, ou responsabilidade por não escolhê-lo. Todo o mundo deve ver isto, pois se o indivíduo, quando se lhe pergunta por que escolheu um determinado objetivo, pudesse contestar verdadeiramente: “Não sabia que o fim tivesse algum valor e fosse digno de ser eleito”, todos os homens considerariam isto como válido para uma absolvição na delinqüência moral.

4. Se suponhamos que o indivíduo sabe o que deveria escolher, sua obrigação de escolhê-lo não procede do fato de que Deus o requer, senão do valor do objetivo a escolher. Já disse que temos que perceber o objetivo a escolher, e que, até certo ponto, deve entender seu valor. Isto é claro. E esta apreensão de seu valor é o que o impele a escolhê-lo. Em outras palavras, a lei moral que manda amar ou ter boa vontade tem que estar subjetivamente presente em sua mente. Sua mente deve ter presente ou dar-se em conta do bem que pode desejar aos outros, em conexão com o qual aparecerá um sentido de obrigação a desejá-lo, e isto constitui a obrigação moral.

Estas são, de modo substancial, as condições da obrigação moral: o poder mental necessário para a ação moral, e um conhecimento do valor intrínseco do bem dado.

Antes de deixar este tema quero fazer ressaltar que é muito provável que não haja duas criaturas no universo moral que tenham precisamente o mesmo grau de compreensão com respeito ao valor do fim que devem escolher; contudo, haverá obrigação moral sobre todos estes graus diversos de conhecimento, proporcionado em grau a medida deste conhecimento que possui toda mente. Só Deus tem um conhecimento infinito e imutável sobre este ponto.

II. Passo a falar agora da regra pela que deve ser julgada a culpa por recusar a vontade ou intenção, de acordo com o que deve ser medida a lei de Deus.

1. Desde o ponto de vista negativo, a culpa não pode se medida pelo fato de que Deus, que ordena, é um ser infinito. A medida da culpa foi submetida a este fato e foi considerada infinita porque Deus, que ordena, e cuja lei foi infligida, é infinito. Mas esta doutrina é inadmissível. Está aberta a fatal objeção de que por ela todo pecado deve ser considerado equivalente, porque tudo foi submetido contra um ser infinito. Mas tanto a Bíblia como a razão intuitiva de todo homem vê que não todos os pecados podem ser igualmente culpáveis. Daqui que a medida ou regra da culpa não pode ser o fato de haver sido cometida contra um ser infinito.

2. A culpa não pode ser medida pelo fato de que a autoridade de Deus, contra a qual foi cometida a ofensa, é infinita. A autoridade é o direito de mandar. Ninguém nega que Deus seja infinito. Mas este fato não pode constituir a medida da culpa pela mesma razão dada acima, ou seja, que então todo pecado passa a ser igualmente culpável pelo fato de ter sido cometido contra uma autoridade infinita; conclusão que é falsa e, portanto, também são as premissas.

3. O grau de culpa não pode ser estimado pelo fato de que todo pecado é cometido contra um ser infinitamente santo e bom, pelas mesmas razões dadas anteriormente.

4. Nem pelo valor da lei do qual o pecado é uma transgressão, porque ainda que todos admitimos que a lei é infinitamente boa e valiosa, no entanto, pelo fato de que é sempre de modo igual, todo pecado seria igualmente culpável; uma conclusão que como vimos é falsa, e portanto, vicia e põe de lado as premissas.

5. A regra não pode consistir no valor do que a lei requer que queiramos; tentamos ou decidamos aparte da percepção de valor na mente, porque o valor intrínseco deste objetivo é sempre o mesmo, pelo que esta regra também como a precedente nos levaria a conclusão de que todos os pecados são igualmente culpáveis.

6. A culpa não deve ser medida pela tendência do pecado. Todo pecado tende a um resultado: mal sem mistura de bem. Não há nenhum ser criado que possa dizer que alguns pecados têm uma tendência mais direta e poderosa a produzir o mal e só mal continuamente. Toda modificação do pecado tende, pelo que sabemos, a produzir o mesmo resultado com a mesma direção: mal, e nada mais que mal.

7. A culpa não pode ser medida pela intenção última do pecador. Acha-se, em realidade, em seu desígnio e só ali; com tudo, a quantidade da mesma não pode ser determinada meramente conhecendo o desígnio, porque este desígnio é sempre substancialmente a mesma coisa; é sempre uma forma de gratificação ou satisfação própria, e nada mais. O desígnio geral do pecador é sempre conseguir satisfação, e conta muito pouco para sua culpa a forma de satisfação que ele escolhe, pelo que a medida da culpa não pode ser buscada aqui, senão em outra parte.

8. Já é hora de afirmar de modo positivo que o grau de culpa deve ser estimado pelo grau de luz baixo do qual a intenção pecaminosa se formou, ou em outras palavras, deve ser medida pelo conhecimento ou percepção mental do valor do objetivo que a lei requer que seja escolhido. Este objetivo é o maior bem-estar possível do universo e de Deus. Este é um valor infinito, e em algum sentido todo ente moral deve saber que é de infinito valor, contudo, os indivíduos diferem de modo indefinido com respeito aos graus de claridade com os quais aprendem este grande fim em sua mente. O escolher este objetivo (o mais alto bem-estar do universo e de Deus) sempre implica o rejeitar os próprios interesses como objetivo, e por outra parte, o escolher a gratificação ou satisfação própria como objetivo sempre e por necessidade, implica a rejeição do mais alto bem-estar do universo e de Deus como objetivo. A eleição de um implica, pois, a rejeição do oposto.

Agora bem, a pecaminosidade da seleção egoísta não consiste meramente na eleição do bem para si mesmo, senão no fato de que implica uma rejeição do maior bem-estar do universo e Deus como objetivo. Se o egoísmo não implicasse a apreensão e rejeição de outros interesses mais altos como objetivo, não implicaria culpa em absoluto. O valor dos interesses rejeitados é a causa da culpa. Em outras palavras, a culpa consiste em rejeitar o bem-estar de Deus e do universo, infinitamente valiosos, para ser escolhido a gratificação ou satisfação egoísta.

Agora se vê vem que a quantidade de culpa está na apreensão da mente do valor dos interesses rejeitados. Em certo sentido, como já disse, todo agente moral tem e deve ter por necessidade idéia de que os interesses de Deus e do universo são de valor infinito. Tem esta idéia desenvolvida tão claramente que todo pecado que comete merece castigo sem fim, com tudo, com luz adicional, o grau de sua culpa pode ser aumentado de grande maneira, de modo que pode merecer um castigo não só sem fim em duração, senão indefinidamente em grande grau. Não há contradição nisto. Se o pecador não pode afirmar que há um limite ao valor dos interesses que recusa querer e perseguir, não pode, naturalmente, afirmar que haja algum limite em sua culpa e seu merecimento de castigo. Isto é verdadeiro e deve ser verdadeiro de todo pecado e de todo pecador; e contudo, quando a luz aumenta e a mente tem uma apreensão mais clara do infinito valor do mais alto bem-estar de Deus e do universo, nesta mesma proporção aumenta sua culpa pelo pecado. Daqui que a medida do conhecimento possuído, do dever e seus motivos é sempre e de modo inalterável a regra pela que se mede a culpa.

A prova disso é dupla.

1. As escrituras o assume e o afirmam.

O texto é um exemplo do caso. O apóstolo alude às épocas passadas em que os pagãos não tinham uma revelação escrita de Deus, e comenta que “havendo passado por alto os tempos de ignorância”, Deus agora manda… Isto não significa que Deus faça vista gorda a seu pecado devido a sua escuridão, senão que o passa por cima como uma leve notícia, considerando-o como pecado muito menos grave que o que os homens cometem agora caso se apartem do que Deus os há mandado, que é que se arrependam. Na verdade, o pecado não é nunca de modo absoluto uma coisa leve, mas, comparativamente, alguns pecados são menores em culpa se lhes compara com a grande culpa de outros pecados.

Na continuação citaremos Tiago 4:17: “Aquele, pois, que sabe o bem que deve fazer e não o faz, comete pecado.” Isto implica claramente que o conhecimento é mais que isto; ou seja, que a culpa de todo pecador é sempre igual à quantidade de conhecimento sobre o caso. Sempre corresponde a percepção mental do valor do fim que há de escolher, mas que se rejeita. Se um homem sabe que deveria fazer bem em algum dado caso, mas não o faz, senão que obra mal, isto para ele é pecado; o pecado, evidentemente, se acha no direito de não fazer bem quando se sabia que podia fazer-se, e é medido como culpa pelo grau deste conhecimento.

João 9:41: “Disse Jesus: Se fôsseis cegos, não teríeis pecado; mas, como agora dizeis: Nós vemos, permanece o vosso pecado.” Aqui Cristo afirma que os homens sem conhecimentos não terão pecado, e que os homens que têm conhecimento e a pesar deste conhecimento pecam, são considerados culpáveis. Isto afirma claramente que a presença de luz ou conhecimento é um requisito para a existência do pecado, e evidentemente implica que a quantidade de conhecimento possuído é a medida da culpa do pecado.

É notável que a Bíblia em todas as partes dá por provadas e reconhecidas as verdades básicas. Não para em demostrá-las, as afirma, e sempre afirma a verdade, e parece que espera que todo o mundo as conheça e as admita. Como já escrevi recentemente sobre o governo moral e já estudei a Bíblia com respeito a seus ensinamentos sobre esta classe de temas, fiquei surpreendido muitas vezes por este fato notável.

João 15:22-24: “Se eu não tivesse vindo, nem lhes tivesse falado, não teriam pecado. Agora, porém, não têm desculpa do seu pecado. Aquele que me odeia, odeia também a meu Pai. Se eu não tivesse feito entre eles o que nenhum outro fez, não teriam pecado. Mas agora viram, e odiaram a mim e a meu Pai.” Cristo sustém a mesma doutrina aqui que na última passagem citada: A luz constitui essencialmente o pecado e o grau de luz constitui a medida do agravante. Observemos, no entanto, que Cristo provavelmente não quer dizer de modo absoluto que se Ele não tivesse vindo os judeus não teriam pecado, porque eles tinham alguma luz antes que Ele veio. Aqui está falando, suponho, de modo comparativo. Seu pecado teria sido menor se Ele não tivesse vindo, tão inferior, que justifica a forte linguagem que usa.

Lucas 12: 47,48: “O servo que soube a vontade do seu senhor, e não se aprontou, nem fez conforme a sua vontade, será castigado com muitos açoites. Mas o que não a soube, e fez coisas dignas de açoites, com poucos açoites será castigado. A qualquer que muito for dado, muito se lhe pedirá, e ao que muito se lhe confiou muito mais se lhe pedirá.”

Aqui nos expõe a doutrina e se dá por entendida a verdade de que os homens serão castigados segundo seu conhecimento. A quem se lhe deu muita luz se lhe exigirá muita obediência. Este é precisamente o princípio que Deus requer dos homens segundo a luz que lhes foi dado.

1ª Timóteo 1:13: “a mim que outrora fui blasfemo e perseguidor e injuriador; mas alcancei misericórdia, porque o fiz ignorantemente, na incredulidade.” Paulo tinha feito coisas intrinsecamente terríveis, mas sua culpa era pequena em comparação, porque as fez na escuridão da incredulidade; daí que obteve misericórdia, caso não fosse assim, talvez não a teria obtido. A simples suposição é que esta ignorância diminuiu a maldade de seu pecado e favoreceu a que obtivesse misericórdia.

Em outra passagem (Atos 26:9), Paulo disse de si mesmo: “Eu também estava convencido de que contra o nome de Jesus de Nazaré devia fazer todo o possível.” Isto tem muito a ver com o grau de culpa ao rejeitar ao Messias, e também em que obtivesse perdão.

Lucas 23:34: “Jesus disse: Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem.” Esta passagem nos apresenta a Jesus sofrendo, rodeado de soldados romanos e maliciosos escribas e sacerdotes, e contudo, fazendo oração em favor deles, apresentando por eles a única defesa que podia: “Porque não sabem o que fazem.” Isto não implica que não tiveram culpa, porque era evidente que se fosse assim não teriam precisado de oração, mas implica que sua culpa era aliviada por sua ignorância. Se eles soubessem que era o Messias, sua culpa teria sido imperdoável.

Mateus 11:20-24: “Então começou ele a denunciar as cidades onde se operou a maior parte dos seus milagres por não se terem arrependido. Ai de você Betsaida! Se em Tiro e em Sidom se tivessem feito os prodígios que em vós se fizeram, há muito que se teriam arrependido, com pano e saco e cinza. Por isso eu vos digo que no dia do juízo haverá menos rigor para Tiro e Sidom, do que para vós. E tu, Cafarnaum, ergue-te até os céus? Serás abatida até o inferno. Se em Sodoma tivessem sido feito os milagres que em ti se operaram, ela teria permanecido até hoje. Porém eu vos digo que no dia do juízo haverá menos rigor para os de Sodoma, do que para ti.” Mas por que recorre Cristo a estas cidades? Porque anuncia uma pena tão grande contra Betsaida e Cafarnaum? Porque a maioria de suas grandes obras foram realizados nelas. Seus milagres tantas vezes repetidos, que demostravam que era o Messias, foram obrados ante seus olhos. Entre eles ensinou diariamente, e nas sinagogas, cada Sábado. Tinham muita luz, por isso, por ser grande sua luz, sua culpa era insuperável. Nem ainda os homens de Sodoma tinham tanta culpa comparado com eles. A cidade mais exaltada, até os céus, seria abatida até o inferno. A culpa e o castigo seriam segundo a luz que haviam possuído, mas que haviam rejeitado.

Lucas 11:47-51: “Ai de vós! Porque edificais os sepulcros dos profetas que vossos pais mataram. Testificais que consentis nas obras de vossos pais; eles os mataram, e vós edificais os seus sepulcros. Por isso diz a sabedoria de Deus: Profetas e apóstolos lhes mandarei, e eles matarão a uns, e perseguirão a outros. Portanto desta geração será requerido o sangue de todos os profetas, que foi derramado desde a fundação do mundo, desde o sangue de Abel até o sangue de Zacarias, que foi morto entre o altar e o templo. Assim, vos digo, será requerido desta geração.” Aqui pergunto: baixo a que princípio ia ser demandada o sangue dos profetas martirizados desde a fundação do mundo requerido daquela geração? Porque o mereciam; porque Deus não faz injustiças. Não se sabe que nunca se castigou a ninguém mais além do que merece.

Mas por que e em que sentido mereciam esta tremenda e aumentada visitação da ira de Deus devido a perseguições realizadas pelas gerações anteriores?

A resposta é dupla: eles pecaram com luz acumulada, e virtualmente aprovaram todas as perseguições de seus pais, e concorreram de boa vontade em sua culpa. Tinham todos os oráculos de Deus. Toda a história da nação estava em suas mãos. Sabiam que o caráter daqueles profetas dos quais tinham martirizado era santo, inocente; podiam ler a culpa de seus perseguidores e assassinos. E no entanto, a pesar de toda aquela luz, eles mesmos se dedicavam a perpetrar atos da mesma classe com mais malignidade.

Por isso, ao fazer isto, virtualmente endossavam tudo o que tinham feito seus pais. Sua conduta ao Homem de Nazaré posta em palavras podia ler-se assim: “Aos santos homens do qual Deus enviou para ensinar e repreender a nossos pais, eles lhes deram morte; fizeram bem, e nós faremos o mesmo com Cristo.” Assim pois, não era possível que deram uma sanção decidida aos atos de sangramento de seus pais. Assinavam em baixo de cada um dos crimes, assumiam em suas consciências a culpa de seus pais. Na intenção, eles cometiam os atos outra vez. Diziam: “Se nós tivéssemos vivido então teríamos feito e sancionado o que eles fizeram.”

De baixo do mesmo princípio da culpa acumulada, todo o sangue e desgraça causada pela escravidão desde que começou o mundo, esta, nossa nação, está se fazendo culpável. A culpa abarca toda cor, toda lágrima, toda gota de sangue tirado com o chicote; tudo está à porta desta geração. Por que? Porque toda a história do passado está diante dos olhos dos homens que defendem a escravidão nesta geração, e seguem endossando-a em conjunto, persistindo na prática do mesmo sistema e dos mesmos errores. Não há geração antes de nós que tenha tido luz sobre os males e injustiças da escravidão que nós temos; por isto a culpa excede a de qualquer geração precedente de donos de escravos, e ademais, conhecendo todas as crueldades e misérias do sistema, pela história passada, todo dono de escravos persiste endossando todos os crimes e assume toda a culpa implicada no sistema que resultou desde que o mundo começou.

Romanos 7:13: “Logo tornou-se-me o bom em morte? De modo nenhum! Mas o pecado, para que se mostrasse pecado, operou em mim a morte pelo bem, a fim de que pelo mandamento o pecado se fizesse excessivamente maligno.” A última cláusula deste versículo nos mostra claramente o princípio de que, debaixo da luz que é o mandamento, ou seja a, lei, proporciona, o pecado passa a ser sobremaneira pecaminoso. Este é o mesmo princípio que como vimos é claramente ensinado e implicado em numerosas passagens da Escritura.

O leitor diligente da Bíblia sabe que estes são só uma parte dos textos que ensinam a mesma doutrina: não necessitamos agregar mais.

2. Faço notar que esta é a regra e a única regra justa por meio da qual pode ser medida a culpa do pecado. Se eu tivesse tempo para dar voltas no tema o consideraria desde toda resposta ou suposição concebível, e poderia mostrar que nenhuma delas pode ser aceita como verdadeira. Não há suposição que possa resistir um exame de detalhe exceto esta, que a regra ou medida da culpa é o reconhecimento da mente com respeito ao valor do fim a eleger.

Não pode haver outro critério por meio do qual possa ser medida. É o valor do fim escolhido em que constitui a culpa do pecado, e a estimação que faz a mente deste valor mede a própria culpa. Isto é verdadeiro segundo a Bíblia, como já vimos. E todo homem necessita só consultar sua própria consciência fielmente e verá que esta afirma também que é reto.

Se podem tirar algumas inferências desta doutrina.

1. A culpa não se mede pela natureza da intenção, porque a intenção pecaminosa é sempre uma unidade, sempre uma e a mesma coisa, sendo nem mais nem menos a gratificação própria.

2. Nem tampouco pode ser medida pelo tipo particular de gratificação própria que prefere a mente. Não importa qual dos numerosos apetites ou tendência pode escolher o homem para dar-lhe satisfação, seja comida, bebida, poder, prazer, ganância, é o mesmo final; gratificação própria e nada mais. Por amor a isto sacrifica todo outro interesse em conflito com ele e aqui reside sua culpa. Todavia desde que ele pisoteia o maior bem de outros com a mesma imprudência, não importa que tipo de satisfação que ele prefira, é claro que não podemos encontrar neste tipo qualquer medida exata de sua culpa.

3. Nem tampouco se pode decidir a culpa pela quantidade de mal que o pecado pode acarretar ao universo. Um ser com pouca luz pode introduzir uma grande quantidade de mal, e no entanto, nenhuma culpa se adscreve a este agente. Isto é verdadeiro do mal que fazem os animais. É verdade dos desastres efetuados pelo álcool. De fato, não importa se o mal resultante dos delitos do ente é muito ou pouco, não se pode determinar a quantidade de sua culpa desta circunstância. Deus pode controlar o maior pecado de modo que dele resulte pouco dano, ou pode deixar suas tendências sem compensar de modo que de um pecado leve resulte muito dano. Quem pode dizer até que ponto pode interferir entre um pecado grande ou pequeno e seus resultados um agente que o controle?

Satanás pecou ao trair a Judas, e Judas pecou ao trair a Cristo. Contudo, Deus contrabalançou estes pecados de modo que a traição e morte conseguinte de Jesus seguiram para o universo resultados benditos. Devem os pecados de Satanás e de Judas estimar-se pelos males que em realidade resultaram dos mesmos? Se parecesse que o bem resultante supera imensamente ao mal, passa por ele o pecado a ser santidade, santidade por mérito? Diminui a culpa ou se anula se a sabedoria e o amor de Deus controlam e o transformam em bem?

Não é, pois, a quantidade de bem ou mal resultante o que determina a quantidade de culpa, senão o grau de luz de que se desfruta baixo a qual se comete o pecado.

4. Tampouco pode ser medida a culpa pela opinião comum dos homens. Os homens na sociedade estão acostumados a formar eles mesmos uma espécie de sentimento público que passa a ser um estandarte para estimular a culpa; no entanto, é errôneo com freqüência. Cristo nos adverte contra a adoção de um estandarte assim, e também contra julgar segundo as aparências externas. Quem não sabe que as opiniões comuns dos homens são errôneas num grau elevado? É verdadeiramente surpreendente ver quão longe os homens divergem em todas direções do estandarte da Bíblia.

5. A quantidade de culpa pode ser determinada, como já disse antes, só pelo grau em que estão desenvolvidas as idéias que dão luz sobre a obrigação. Aqui é precisamente onde se acha o pecado, em resistir a luz e atuar em oposição a ela, e portanto, o grau de luz deve, naturalmente, medir a quantidade de culpa em que se envolveu.

Conclusão

1. Vemos deste tema o princípio com o qual podemos explicar muitas passagens da Escritura. Parece estranho que Cristo acusara do sangue de todos aqueles profetas martirizados em gerações anteriores à geração de seu tempo. Mas o tema que temos diante nos revela o princípio sobre o qual se apoia este juízo e por que deve ser assim.

Todo o mistério que pode encontrar-se no fato declarado em nosso texto: “tendo passado por alto os tempos de ignorância”, acha em nosso tema uma explicação adequada. Parece estranho que durante as idades Deus passara quase por alto sem apenas notar as monstruosidades e abominações do mundo pagão? A razão se acha em sua ignorância. Portanto, Deus passa por alto suas odiosas e cruéis idolatrias. Porque todas elas juntas são uma coisa insignificante comparada com a culpa de uma só geração de homens que receberam a luz.

2. Um pecador pode encontrar-se em tais circunstâncias que tenha mais luz e conhecimento que todo o mundo pagão. Ai! Quão pouco sabem os pagãos! Quão pouco sabem comparado com o que conhecem os pecadores deste país, inclusive os muito jovens!

Deixe-me chamar e interrogar alguns pecadores impenitentes aqui em Oberlin. Pouco importa quem são, ainda que sejam crianças da Escola Dominical.

O que você sabe sobre Deus?

Sei que há um Deus e só um. Os pagãos crêem que existem às centenas.

O que você sabe acerca de Deus?

Sei que é infinitamente bom e grande. Porém os pagãos crêem que alguns de seus deuses são ruins e malévolos, perversos e patrões da maldade entre alguns homens.

O que você sabe da salvação?

Sei que Deus amou ao mundo de tal maneira que entregou a seu filho unigênito para que morresse por Ele e que todo aquele que crê nEle possa ter vida eterna.

Oh! Os pagãos não ouviram isto nunca. Se desmaiariam, creio, de surpresa se o ouvissem e realmente creriam que é um fato assombroso, glorioso. E que a criança da Escola Dominical sabe que Deus da seu Espírito para livrar do pecado. Ele talvez já é sensível a presença e poder deste Espírito. Mas os pagãos não sabem nada disto.

Também sabe que é imortal, que depois da morte tem todavia um estado imutável consciente de existência, bem-aventurança ou sofrimento segundo os atos daqui. Mas os pagãos não têm a menor idéia deste assunto. Para eles tudo está às escuras.

O resultado, pois, é que sabe tudo; os pagãos não sabem quase nada. Você sabe tudo o que se necessita para ser salvo e útil, para honrar a Deus e servir a teus próximos, segundo sua vontade. O pagão está sumido nas trevas, aderido a suas abominações, palpando às cegas, sem achar nada.

Tal como será tua luz, portanto, será a culpa; a tua maior que a deles, sem medida. Ainda que eles tenham cometido idolatrias monstruosas, com tudo, a culpa de tua impenitência baixo à luz é muitíssima maior. Veja a esta mãe que arrasta a seu filho e o atira a Ganges. Esta outra lançando nos ardentes braços de Moloc. Esta pilha de madeira da que elevam chamas até o fogo. Queimam um cadáver, o marido. Porém logo vem a viúva que se lançará no meio de uma dança frenética sobre o monte ardente, e seus gritos de agonia os cobrirão os alaridos frenéticos dos espectadores. Todas estas cenas são horríveis. Sim! Mas não sabem nada de Deus, do que Deus espera do coração e da vida. Ah! Poupe as censuras com que cobres aos pagãos por sua crueldade e sua luxúria, e ponha onde se merece porque há luz e se lha resiste.

3. Vês, pois, que com freqüência um crente em algumas de nossas congregações pode ter mais luz que todos os pagãos juntos. Se isto é verdade, o que se segue com respeito à quantidade de culpa comparativa? É inevitável que um pecador assim mereça uma condenação mais terrível e mais profunda que todo o mundo pagão. Esta conclusão pode parecer surpreendente, mas: podemos escapar dela? Não podemos. É tão simples como uma demonstração matemática. Este é o princípio afirmado por Cristo quando disse: “Aquele servo que conhecendo a vontade de seu senhor, não se preparou, nem fez conforme a sua vontade, receberá muito açoites. Mas o que sem conhecê-la fez coisas dignas de açoites, receberá poucos, porque a todo aquele a quem se foi dado muito, muito se lhe exigirá; e ao que muito se lhe foi confiado mais se lhe pedirá.” Quão solenes e agudas são estas palavras e a aplicação desta doutrina em nossas congregações! Poderia chamar a muitos pecadores neste lugar e mostrar-lhes que sem a menor dúvida sua culpa é maior que a de todo o mundo pagão. E contudo, quanto pouco se dá conta à gente disso!

Não faz muito tempo um jovem infiel, educado neste país, escreveu desde as Ilhas Sandwich uma descrição magnífica e talvez justa das horríveis abominações daquela gente, moralizando sobre aquelas enormidades e dando graças a Deus que havia nascido e havia ensinado em um país cristão. Verdadeiramente! Podia ter-se poupado a censura que aplica àqueles pagãos na escuridão. Sua culpa própria, ao seguir sendo um pecador impenitente baixo a luz da América cristã, era maior que a de todos os indígenas daquelas ilhas.

E assim podemos poupar nossas expressões de horror diante das abominações culpáveis da idolatria. Talvez você diga em teu coração: “Por que permite Deus estas abominações em nossos dias?” Sua culpa, na realidade, é menor a daqueles que sabendo seu dever perfeitamente não o fazem. Deus passa por alto estes horrores porque são cometidos no meio de uma suma ignorância.

4. Isto me faz comentar de novo que o mundo cristão deve cessar em seus ultrajes e condenações dos pagãos. De todas as partes da terra a população da cristandade é infinitamente mais culpável, de onde o evangelho é predicado desde milhares de púlpitos, de onde se louva a Deus em milhares de igrejas, de onde se conhece o dever e se conhece a Deus e não se faz caso nem de um nem de outro. Falemos, pois menos da degradação dos pagãos, e contemplemos em nosso próprio lar o espetáculo da culpa dos cristãos. Ocupemo-nos de nossos próprios pecados.

5. Novamente, não devemos temer dizer o que todos podem ver, que a igreja nominal é a parte mais culpável do cristianismo. Não se pode por em dúvida um só momento que a igreja tem mais luz que os demais, por isso tem mais culpa. Naturalmente, falo da igreja nominal, não a igreja real que foi perdoada e limpada de seus pecados. Mas quanto a igreja nominal, pensemos nos pecados em que vivem e em sua corrupção. Pensemos também nos que deram para traz, que depois de ter conhecido os deleites da fé voltaram a trocar as cascas vazias do prazer terreno. Sua culpa é maior que a do mundo pagão.

Diga, pois, tenha Deus piedade de minha alma? Todos temos que dize-lo, mas temos que agregar: se é possível, porque quem pode dizer se pode ser perdoada uma culpa como a nossa? Pode Cristo orar por ti como orou pelos que lhe cravavam na cruz: “Pai, perdoa-os, porque não sabem o que fazem”? Pode dizer isto em favor seu, que não sabe o que estás fazendo? É terrível! Onde temos a sonda com que medir a profundidade do oceano de tua culpa?

De novo, se nossos filhos permanecem em pecado, temos que deixar de felicitar-nos de que não nasceram em terras de pagãos ou em escravidão! Quantas vezes já disse! Quantas vezes tenho olhado a meus filhos e filhas, e tenho dado graças a Deus de que tivessem nascido para serem amados e cuidados, não para serem lançados a Moloc ou baixo às rodas do carro de Juggernaut! Mas se vivem em pecado, temos que fazer alto em nossas auto felicitações de terem nascido em uma terra cristã com luz e privilégios. Se não se arrependem será infinitamente pior para eles que se tivessem nascido nas trevas pagãs, porque o ter nascido na luz do evangelho só lhes servirá para ir a uma condenação maior no inferno depois de todas as advertências de que foram objeto.

Não nos precipitemos, pois, a felicitar-nos como se esta grande luz de que desfrutamos nós e nossos filhos fosse um grande bem para eles, mas se podemos fazer isto; podemos regozijarmos de que Deus fará honra a si mesmo, sua misericórdia se pode e sua justiça se deve. Deus será honrado e nós podemos gloriarmos nisto. Porém, Oh, o pecador, o pecador! Quem pode medir a profundidade de sua culpa ou o terror de sua condenação final? Será mais tolerável para os pagãos que para eles.

6. Já é hora de que entendamos bem este tema e nos demos em conta de suas conseqüências. Não há dúvida de que por mais morais que sejam nossos filhos são mais culpáveis que os pecadores dos países pagãos, pois ainda que têm mais luz não cedem a esta, baixo a qual vivem. Talvez nos felicitemos de sua moralidade, mas se vemos o caso em seu sentido real nossas almas hão de gemer em agonia, pois temos de sentir a angústia ante a culpa terrível em que incorrem ao negar ao Senhor que os resgate, com o que anulam sua própria salvação. Oh, se oramos alguma vez temos de verter nossas almas por nossos próprios filhos, como se nada pudesse satisfazer-nos ou deixar de persistir ou refreia a nosso incômodo, para que as bênçãos da plena salvação se realizem em suas almas!

Que nossa mente contemple a culpa deste filhos. As crianças de nossas escolas dominicais conhecem melhor seu dever que todos os pagãos juntos. Esta criança vai sozinha e ora, mas retém seu coração em vez de dá-lo a Deus, e sua mãe ora por ele e verte lágrimas, e contudo ele segue cometendo pecado e recusando aceitar ao Salvador. Mas se ele não o faz, então ele comete mais pecado com essa recusa que todo o pecado de todo o mundo pagão – sua culpa é maior que a culpa de todos os assassinatos, que todos os afogamentos de crianças e os aquentamentos das viúvas, e as profundas crueldades e violência em todo o mundo pagão. Toda esta combinação de culpa não será igual a culpa do menino que conhece o seu dever, mas não rende seu coração para este justo clamor.

7. “O pagão – disse o apóstolo – peca sem lei, e portanto perecerá sem a lei.” Em seu destino final será apartado da presença de Deus; isto talvez será tudo. Mas não terão que sofrer esta reflexão: “Eu tinha a luz do evangelho e não quis submeter-me ao mesmo, conhecia meu dever, mas não o fiz.” Isto eles não podem dizer. Isto está reservado para aqueles que entram em nossos santuários e formam parte do altar familiar, e contudo não querem servir a seu Pai infinito.

8. Um comentário final. Suponhamos que eu chame a um pecador desta congregação, um filho de pais piedosos, e que chamo também a seu pai. Posso perguntar sobre o filho:

– Que testemunho podes dar sobre este filho teu?

– Tenho me esforçado para ensiná-lo os caminhos do Senhor.

E assim mesmo interrogar ao menino, dizendo-o:

– Filho, o que tem a dizer?

– Conheço meu dever. O ouvi mil vezes. Sei que devo arrepender-me, mas não o fiz nunca.

Oh, se entendêssemos este assunto e todas suas conseqüências encheria isto o nosso peito de consternação e pena! Nossas entranhas arderiam como um vulcão. Haveria um grito de angústia e terror ante a terrível culpa e espantoso fim de tal pecador.

Jovem, você vai marchar daqui com teus pecados? Se é assim, que anjo pode medir tua culpa? Oh, quanto tempo leva Jesus com as mãos estendidas, sim, suas mãos sangrentas, suplicando-te que o veja e vivas! Mil vezes e em infinitas maneiras tenho te chamado, mas você tem recusado; tem estendido suas mãos, mas nem lhe tem olhado. Oh! Por que não te arrependes? Por que você não diz “basta”, já pequei o bastante? Não posso seguir pecando mais! Oh, pecador! Por que queres viver assim? Queres ir ao inferno, sim, ao mais profundo inferno onde se pudéssemos achá-lo teríamos que buscar-te mil anos cruzando fileiras de espíritos perdidos, menos culpáveis que você, até poder chegar ao terrível fundo em que você terá se afundado? Oh, pecador? Que inferno bastará para castigar uma culpa semelhante a sua!


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