Tendo forma de piedade, negando-lhe, entretanto, o poder (2 Tm. 3:5).
Porque não é judeu quem o é apenas exteriormente, nem é circuncisão a que é somente na carne. Porém judeu é aquele que o é interiormente, e circuncisão a que é do coração, no espírito, não segundo a letra, e cujo louvor não procede dos homens, mas de Deus (Rm. 2:28-29)
Os textos acima merecem séria atenção em qualquer época. Mas eles merecem especial atenção no contexto atual da igreja e do mundo. Nunca, desde que o Senhor Jesus deixou a terra, houve tanto formalismo e falsas profissões de fé, quanto há nos dias atuais. Agora , mais do que nunca, nós devemos nos examinar e investigar nossa religião, para sabermos de que tipo ela é, e decidirmos se o nosso cristianismo é formal ou é do coração.
Não conheço melhor meio de desenvolver o assunto, do que retornando às Escrituras. Vamos ouvir o que o apóstolo Paulo diz sobre isso. Ele estabelece o seguinte grande princípio na sua epístola aos romanos: “Porque não é judeu quem o é apenas exteriormente, nem é circuncisão a que é somente na carne. Porém judeu é aquele que o é interiormente, e circuncisão a que é do coração, no espírito, não segundo a letra, e cujo louvor não procede dos homens, mas de Deus”. (Rm. 2:28-29).
Temos três instruções a partir desta passagem:
Aprendemos primeiro, que a religião formal não é religião, e um cristão formal não é um cristão do ponto de vista de Deus;
Em segundo lugar, aprendemos que o coração é a base da verdadeira religião e que o verdadeiro cristão, o é no coração;
Em terceiro lugar, aprendemos que a verdadeira religião nunca será popular. Ela não terá o “louvor do homem, mas de Deus”.
Vamos considerar estes grandes princípios. Dois séculos já se passaram, desde que um vigoroso puritano disse: “formalidade, formalidade, formalidade é o grande pecado da Inglaterra nestes dias, sob o qual a nação se curva. Há mais luz do que havia, mas menos vida; mais aparência, mas menos substância; mais profissões, mas menos santificação” (Thomas Hall, sobre 2 Tm. 3:5, 1658). O que esse bom homem falaria se vivesse em nossos dias?
Nós aprendemos primeiramente, que a religião formal não é religião, e que o cristão formal não é um cristão, do ponto de vista de Deus.
O que eu quero dizer quando falo de religião formal? Este é um ponto que quero deixar claro. Milhares, eu suspeito, não sabem nada a respeito. Sem um entendimento claro deste ponto, todo meu discurso será inútil. Meu primeiro passo, então, será retratar, descrever e definir.
Quando um homem é cristão nominal somente e não na realidade – somente em coisas externas e não o é interiormente; professa e não pratica; quando seu cristianismo é um mero problema de forma ou moda ou costume, sem nenhuma influência no seu coração ou vida – nestes casos este homem possui, o que eu chamo de religião formal. De fato ele possui a forma, ou casca, ou pele de religião, mas não possui seu conteúdo ou seu poder.
Veja, por exemplo, as milhares de pessoas cuja religião inteira parece consistir cerimônias religiosas e ordenanças. Elas comparecem regularmente a adoração pública, participam regularmente da Santa Ceia. Elas vão regularmente para o a mesa de Senhor. Mas isto é tudo! Elas não conhecem nada sobre o cristianismo experimental. Elas não estão familiarizados com as Escrituras e não tem prazer em lê-las. Elas não se separam do mundo. Elas não fazem nenhuma distinção entre crentes e incrédulos nos seus relacionamentos conjugais e de amizade. Elas dão pouco ou nenhum valor às doutrinas distintivas do evangelho. Elas parecem totalmente indiferentes sobre o que ouvem na pregação. Você pode andar na companhia delas por muito tempo sem jamais supor que eram infiéis ou deístas. O que pode ser dito sobre estas pessoas? Eles são indubitavelmente cristãos professos e não há nem coração nem vida no cristianismo delas. Há apenas uma coisa a ser dito sobre elas: elas são cristãs formais. Sua religião é uma forma.
Na outra direção, há centenas de pessoas cuja religião inteira parece consistir em conversas e conhecimento acadêmico. Elas conhecem a teoria do evangelho intelectualmente, e professam se deleitar na doutrina evangélica. Elas podem dizer muito sobre a “sanidade” das suas próprias visões e a “escuridão” de todos que discordam deles, mas também não vão além! Quando você examina a vida interior delas, perceberá que não conhecem nada sobre a prática da santidade. Eles não são verdadeiros, nem caridosos, nem humildes, nem honestos, nem mansos, nem gentis, nem desinteressados, nem honrados. O que diremos destas pessoas? Elas são cristãs, sem nenhuma dúvida, nominais, e não há substância nem frutos no cristianismo delas. Há apenas uma coisa para ser dizer: elas são cristãs formais. Sua religião consiste de uma forma vazia.
Não há nada tão comum como uma religião de forma. É uma das grandes doenças genética de toda raça humana. Nasce conosco, cresce conosco, e nunca nos deixará até que morramos. Encontra-nos em igrejas e em capelas, entre ricos e pobres, entre pessoas instruídas e sem instrução, entre romanistas e protestantes evangélicos e entre ritualistas. Independentemente de onde formos, ou da igreja que freqüentamos, nós nunca estamos fora do alcance de sua infecção. Nós a acharemos entre os Quakers e os Irmãos de Plymouth, assim como também em Roma. O homem que pensa que de modo nenhum há religião formal ao seu redor, é uma pessoa muito cega e ignorante. Se você ama vida, cuidado com a formalidade.
Nada é tão perigoso à alma humana. Familiaridade com a forma de religião, enquanto negligenciamos sua realidade, tem um efeito perigosamente enfraquecedor na consciência. Traz, pouco a pouco, uma crosta espessa de insensibilidade sobre todo homem interior. Ninguém parece ficar tão desesperadamente endurecido quanto aqueles que estão continuamente repetindo palavras santas e lidando com coisas santas, enquanto seus corações correm atrás do pecado e do mundo. Proprietários que só vão formalmente para igreja, para dar exemplo para os seus inquilinos; ou os que mantêm orações familiares formais, para dar boa aparência a suas casas; pastores inconversos que estão todas as semanas lendo orações e lições das Escrituras nas quais eles não sentem nenhum real interesse; cantores inconversos que cantam os hinos mais espirituais todos os domingos somente porque têm boas vozes, enquanto seus afetos estão completamente nas terrenas. Todos estão em perigo terrível. Eles estão gradualmente endurecendo seus corações e estão cauterizando suas consciências. Se você ama sua própria alma, cuidado com a formalidade. Nada, finalmente, é tão tolo, insensato, e irracional. Pode um cristão formal realmente supor que o mero cristianismo externo que ele professa, o confortará no dia da doença e na hora de morte? Isso é impossível. Um fogo pintado não pode esquentar; um banquete pintado não pode satisfazer fome e uma religião formal não pode trazer paz para a alma. Ele pode supor que Deus não vê a maldade e a falta de vida do seu cristianismo? Embora ele possa enganar os vizinhos, conhecidos, adoradores da mesma categoria, e ministros com uma forma de santidade, ele pensa que pode enganar Deus? É uma idéia absurda! “Aquele que fez o ouvido, não ouvirá? Ou aquele que formou o olho, não verá?” (Sl. 94:9). “No dia em que Deus há de julgar os segredos dos homens, por Cristo Jesus, segundo o meu evangelho” (Rm. 2:16) . Ele que disse a cada anjo das sete igrejas, “Conheço as tuas obras, e o teu trabalho, e a tua perseverança; sei que não podes suportar os maus, e que puseste à prova os que se dizem apóstolos e não o são, e os achaste mentirosos” (Ap. 2:2), não muda. Ele quem disse ao homem sem as vestes nupciais: “Amigo, como entraste aqui, sem teres veste nupcial?” (Mt. 22:12) não será enganado por uma pequena capa de religião externa. Se você não deseja sofrer vergonha no último dia, mais uma vez eu digo, cuidado com a formalidade.
Passo a considerar meu segundo ponto. O coração é a base da verdadeira religião, e o verdadeiro cristão é o cristão do coração .
O coração é o real teste do caráter de um homem. Não é o que ele diz ou o que ele faz que o homem possa ser conhecido. Ele pode dizer e fazer coisas certas, por motivos falsos e desmerecedores, enquanto seu coração está completamente errado. O coração é o homem. “Porque, como ele pensa consigo mesmo, assim é”. (Pv. 23:7).
O coração é o teste certo da religião de um homem. Não é suficiente que um homem abrace um credo correto de doutrina e mantenha uma forma externa de santidade. Como é seu coração? Esta é a grande questão! Isto é o que Deus olha. “Porque o Senhor não vê como vê o homem, pois o homem olha para o que está diante dos olhos, porém o Senhor olha para o coração.” (1 Sm. 16:7). Isto é o que Paulo estabelece distintamente como o padrão da alma: “Mas é judeu aquele que o é interiormente, e circuncisão é a do coração, no espírito, e não na letra; cujo louvor não provém dos homens, mas de Deus” (Rm. 2:29). Quem pode duvidar que esta sentença poderosa foi escrita tanto para cristãos como também para judeus? É um cristão, o apóstolo nos ensina, aquele que o é interiormente e batismo é aquele do coração.
O coração é o lugar onde a religião salvadora tem que começar. O coração é naturalmente irreligioso e deve ser renovado pelo Espírito Santo. “Também vos darei um coração novo, e porei dentro de vós um espírito novo; e tirarei da vossa carne o coração de pedra, e vos darei um coração de carne.” (Ez. 36:26). “O sacrifício aceitável a Deus é o espírito quebrantado; ao coração quebrantado e contrito não desprezarás, ó Deus” (Sl. 51:17). Está por natureza fechado e cerrado contra Deus e deve ser aberto. O Senhor abriu o coração de Lídia (At. 16:14).
O coração é a base da verdadeira fé salvadora. “Pois é com o coração que se crê para a justiça, e com a boca se faz confissão para a salvação.” (Rm. 10:10). Um homem pode acreditar que Jesus é o Cristo, como os demônios crêem e ainda pode permanecer nos seus pecados. Ele pode acreditar que ele é um pecador e que Cristo é o único Salvador e sentir, ocasionalmente, preguiçosos desejos de ser um homem melhor. Mas ninguém abraça a Cristo e recebe perdão e paz até que creia com o coração.
O coração é a fonte da verdadeira santidade e da resoluta continuidade em fazer o bem. Verdadeiros cristãos são santos porque seus corações são atingidos. Eles obedecem por amor. Eles fazem a vontade de Deus de coração. Apesar de fracos, débeis e defeituosos, seus feitos agradam a Deus porque são realizados por um coração amoroso. Ele que elogiou a oferta da viúva pobre, mais do que todos os oferecimentos dos ricos judeus, estima qualidade muito mais do que quantidade. O que Ele gosta de ver é algo feito por “um coração reto e bom” (Lc. 8:15). Não há verdadeira santidade sem um coração reto.
As coisas que eu estou dizendo podem soar de forma estranha. Talvez vá de encontro a todas as noções de alguns leitores. Talvez você tenha pensado que se a religião de um homem está exteriormente correta, ele deve ser um dos quais Deus se agrada. Você está completamente enganado. Você está rejeitando o teor inteiro do ensino bíblico. Retidão externa sem um coração reto, não é nada mais nada menos que farisaísmo. As coisas externas do cristianismo – batismo, Ceia do Senhor, caridade, ser membro da igreja e coisas semelhantes – nunca levam a alma de qualquer homem ao céu, a menos que seu coração seja reto. O cristianismo deve existir tanto interna, quanto externamente, e é o interior que Deus fixa seu olhar.
Ouça o ensino de Paulo sobre este assunto em três textos impressionantes: “Porque em Cristo Jesus nem a circuncisão nem a incircuncisão vale coisa alguma; mas sim a fé que opera pelo amor”; “Pois nem a circuncisão nem a incircuncisão é coisa alguma, mas sim o ser uma nova criatura.” (Gl. 5:6; 6:15). “A circuncisão nada é, e também a incircuncisão nada é, mas sim a observância dos mandamentos de Deus.” (1 Co. 7:19). Será que o apóstolo somente quer dizer nestes textos que a circuncisão já não era necessária de acordo com o evangelho? Era só isso? Não! Creio que ele quis dizer muito mais. Ele quis dizer que a verdadeira religião não consiste em formas, e que sua essência é algo muito distante de ser ou não ser circuncidado. Ele quis dizer que, de acordo com Cristo Jesus, tudo depende de nascer de novo, em ter verdadeira fé salvadora, em ser santo na vida e conduta. Ele quis dizer que estas são as principais questões que nós devemos olhar e não as formas externas. “Sou uma nova criatura? Eu realmente acredito em Cristo? Eu sou um homem santo?” Estas são as perguntas cruciais que temos que procurar responder.
Quando o coração está errado, tudo está errado a vista de Deus. Muitas coisas boas podem ser feitas. As formas e ordenanças que o próprio Deus designou podem parecer estar sendo honradas. Mas apesar disto, quando o coração está em falta, Deus não se agrada. Ele terá o coração inteiro do homem ou nada.
A arca era a coisa mais sagrada no tabernáculo judeu. Sobre ela estava a base da misericórdia. Dentro dela estavam as tábuas da lei, escritas pelo próprio dedo de Deus. Somente o sumo sacerdote, tinha permissão de entrar no lugar onde ela era mantida, dentro do véu, e somente uma vez por ano. Pensava-se que a presença da arca no acampamento trazia uma bênção especial. E mesmo esta arca não poderia trazer aos israelitas um bem melhor do que qualquer outra caixa de madeira comum, quando eles confiavam nela como um ídolo, com seus corações cheios de maldade. Eles trouxeram a arca para o acampamento militar em uma ocasião especial dizendo: “Tragamos a arca,… para que nos livre da mão de nossos inimigos” (1 Sm. 4:3). Quando ela entrou no acampamento, eles mostraram toda reverência e honra. E “rompeu todo o Israel em grandes brados e ressoou a terra” (1 Sm.4:5). Mas foi tudo em vão. Eles foram duramente atingidos ante os filisteus, e a própria arca foi levada. E por que isto aconteceu? Era porque a religião deles era mera forma. Eles honraram a arca, mas não deram ao Deus da arca seus corações.
Havia alguns reis de Judá e Israel que fizeram muitas coisas certas à vista de Deus, e mesmo assim nunca foram escritos na lista de homens santos e íntegros. Roboão começou bem e “durante três anos ele andou no caminho de Davi e Salomão” (2 Cr. 11:17). Mas depois “fez ele o que era mal, porque não dispôs seu coração para buscar ao SENHOR” (2 Cr. 12:14). Abias, de acordo com o livro de Crônicas, disse muitas coisas que eram certas, e lutou com sucesso contra Jeroboão. Não obstante o veredicto geral é contra ele. Nós lemos que “seu coração não era perfeito para com o SENHOR seu Deus” (1 Rs. 15:3). Amazias, sobre o qual foi expressamente dito: “fez ele o que era reto perante o SENHOR, não porém com inteireza de coração” (2 Cr. 25:2). Jeú, rei de Israel, foi levantado pelo comando de Deus para derrubar a idolatria. Ele era um homem que tinha um zelo especial em fazer o trabalho de Deus. Mas infelizmente é escrito sobre ele: Ele “não teve o cuidado de andar de todo o seu coração na lei do SENHOR Deus de Israel, nem se apartou dos pecados de Jeroboão, que fez pecar Israel” (2 Rs. 10:31). Em resumo, uma observação geral se aplica a todos estes reis. Eles eram interiormente maus. Seus corações não eram perfeitos.
Há lugares de adoração, nos dias de hoje, onde todas as coisas externas da religião são feitas com perfeição. O edifício é bonito. O culto é bonito. O louvor é bonito. As formas de devoção são bonitas. Há tudo para satisfazer os sentidos. Olho, ouvido e o sentimentalismo natural são agradados, mas todo este tempo Deus não é agradado. Uma coisa está faltando, e esta carência estraga tudo. O que é? É o coração! Deus vê sob este espetáculo todo, a forma externa da religião posta no lugar da substância, e quando Ele vê isto, Ele não tem prazer. Ele não olha com favor para o edifício, o culto, o ministro, ou as pessoas, se Ele não vê corações convertidos, renovados, quebrantados, penitentes. Cabeças curvadas, joelhos dobrados, altos améns, mãos cruzadas, faces viradas para o alto, todas estas coisas não são nada à vista de Deus, se os corações não são retos.
Quando o coração é reto, Deus pode observar muitas coisas defeituosas. Pode haver falhas de julgamento e debilidades na prática. Pode haver muitas divergências do melhor curso nas coisas externas da religião. Mas se o coração está sadio no principal, Deus não é extremista de marcar exatamente aquilo que está errado. Ele é misericordioso e gracioso, e perdoará as imperfeições daquele que tem um coração verdadeiro e um olhar sincero.
Jeosafá e Asa eram os reis de Judá que falharam em muitas coisas. Jeosafá era um homem tímido, irresoluto que não sabia dizer “Não” e fez amizade com Acabe, o pior rei que Israel já teve. Asa era um homem instável que uma vez confiou no rei da Síria mais do que em Deus, e em outro momento enfureceu-se contra o profeta de Deus porque ele o reprovara (2 Cr. 16:10). Contudo, ambos tiveram um ponto redentor em seus caráteres. Apesar de suas faltas, eles tiveram corações retos.
Há muitas assembléias de adoradores cristãos nos dias de hoje nas quais não há nada, literalmente, que atraia o homem natural. Eles se encontram em capelas sujas e miseráveis, ou em sótãos e porões pobres. Eles cantam sem musicalidade. Eles ouvem orações e sermões fracos. E apesar disto o espírito Santo está freqüentemente no meio deles! Nestes lugares, os pecadores são freqüentemente convertidos e o reino de Deus prospera muito mais que em qualquer catedral católica romana ou que em muitas igrejas protestantes magníficas. Como isto acontece? Como pode ser explicado? Simplesmente porque nestas assembléias humildes a religião que provêm do coração é ensinada e é sustentada. A obra no coração é almejada e honrada. E a conseqüência é que Deus se agrada e concede Sua bênção.
Eu deixo esta parte de meu assunto. Eu peço a vocês que pesem bem as coisas que eu tenho dito. Eu acredito que elas agüentarão seu exame pois são verdades. Resolva neste dia, independente da igreja a qual você pertence, ser um cristão no coração. Se da igreja anglicana ou presbiteriano, batista ou independente, não se contente com uma mera forma de santidade sem o poder. Estabeleça firmemente em sua mente que a religião formal não salva e a religião que provêm do coração é a única que conduz ao céu.
Somente uma palavra de advertência. Não suponha que, porque a religião formal não salva, toda forma de religião é inútil. Abstenha-se deste tipo de extremo insensato. O mal uso de uma coisa não é argumento contra o correto uso dela. A idolatria cega de formas que prevalecem em alguns lugares não é razão para que você deva lançar fora todas as formas. A arca, quando Israel fez dela um ídolo e a pôs no lugar de Deus, era incapaz de salvá-los dos filisteus. Porém, a mesma arca, quando conduzida de forma irreverente e profana causou a morte de Uzá; mas quando honrada e reverenciada, trouxe bênção à casa de Obede-Edom. As palavras do Bispo Hall são fortes mas verdadeiras: “Aquele que tem só a forma é hipócrita; mas aquele que não tem nenhuma forma é ateu”. Formalidades não podem nos salvar, mas nem por isso devem ser menosprezadas. Uma lanterna não é a casa de um homem, mesmo assim é uma ajuda ao homem que viaja para sua casa em uma noite escura. Use as formas (meios de graça) do cristianismo diligentemente, e você encontrará benefícios nelas. Só lembre que, em todo uso das formas, o grande princípio, é que o primordial na religião é o estado do coração.
Agora tratarei da última coisa que me propus a considerar. Eu disse que a verdadeira religião não deve esperar ser popular nunca. Não terá o louvor do homem, mas de Deus .
Eu não ouso abandonar esta parte de meu assunto, por mais doloroso que possa ser. Ansioso como estou para recomendar a religião do coração para todo o mundo que ler isto, eu não tentarei esconder o que ela requer. Eu não ganharei um recruta para o exército de meu Mestre debaixo de falsos pretextos. Eu não prometerei nada que a Escritura não garanta. As palavras de Paulo são claras e inequívocas. A religião do coração é uma religião “cujo louvor não provém dos homens, mas de Deus” (Rm. 2:29).
A verdade de Deus e o cristianismo bíblico nunca são realmente populares. Eles nunca foram. Eles nunca serão enquanto o mundo durar. Ninguém pode considerar calmamente o que a natureza humana é, como descrita na Bíblia, e esperar qualquer outra coisa. Enquanto o homem for o que é, a maioria do gênero humano sempre gostará muito mais da religião formal, do que a do coração.
A religião formal é conveniente à uma consciência não iluminada. O homem sempre terá alguma religião. Ateísmo e uma descrença total, como regra geral, nunca são muito populares. Mas ele tem que ter uma religião que não requeira muito, nem incomode muito seu coração, ou interfira muito em seus pecados. O cristianismo formal o satisfaz. Parece ser exatamente o que ele quer.
A religião formal satisfaz a justiça própria do homem. Todos nós somos um pouco fariseus. Todos nós acalentamos naturalmente à idéia de que o modo de ser salvo é fazer muitas coisas, guardar observâncias religiosas, e no final nós adquiriremos o céu. Formalismo nos encontra aqui. Parece nos mostrar um modo pelo qual nós podemos fazer nossa própria paz com Deus.
Religião formal agrada a indolência natural do homem. Confere uma importância excessiva a parte mais fácil do cristianismo – a aparência e a forma. O homem gosta disto. Ele odeia dificuldade na religião. Ele quer algo que não se intrometa com sua consciência e modo de viver. Só deixe a consciência em paz e, como Herodes, ele de boa mente o escutará (Mc 6:20). O formalismo parece abrir um portão mais largo e um modo mais fácil para o céu.
Fatos falam mais alto que afirmações. Fatos são inflexíveis. Examine a história da religião em toda as eras do mundo e observe o que sempre foi popular. Olhe a história de Israel desde o princípio de Êxodo até o fim dos Atos dos Apóstolos, e veja o que sempre achou favor. O formalismo era o principal pecado contra o qual os profetas do Antigo Testamento protestavam continuamente. Foi a grande praga que se espalhou entre os judeus quando nosso Senhor Jesus Cristo veio ao mundo. Veja a história da igreja de Cristo depois dos dias dos apóstolos. Quão rapidamente o formalismo corroeu a vida e vitalidade dos cristãos primitivos! Veja a Idade Média, como era chamada. O formalismo cobriu a face da cristandade tão completamente, que o evangelho foi enterrado como a um morto. Por fim, considere a história das igrejas protestantes nos últimos três séculos. Em quão poucos lugares a religião é algo vivo! Em quantos países o protestantismo nada mais é além de uma forma! Nós não podemos evitar o conhecimento destas coisas. Elas falam com voz de trovão. Tudo nos mostra que a religião formal é uma coisa popular. Ela tem o elogio do homem.
Mas por que nós deveríamos olhar fatos históricos? Por que nós não olhamos para os fatos debaixo de nossos próprios olhos e de nossas próprias portas? Alguém pode negar que uma mera religião externa, uma manifesta religião de formalidade, é a religião que é popular hoje em dia? Não é por nada que João diz sobre os falsos mestres: “Eles são do mundo, por isso falam como quem é do mundo, e o mundo os ouve” (1 Jo. 4:5). Só faça suas orações, vá para igreja com regularidade tolerável, e receba o sacramento ocasionalmente, e a vasta maioria o classificará como um excelente cristão. “De que mais você reclama?” eles dizem: “Se isto não é cristianismo, o que é então? Requerer mais de qualquer um é beatice, intransigência, fanatismo e zelo excessivo! Insinuar dúvida sobre se tal homem irá para o céu é o cume da falta de caridade!” Portanto, é vão negar que a religião formal é popular. É popular. Sempre foi popular. Sempre será popular até Cristo vir novamente. Sempre teve e sempre terá “o louvor dos homens”.
Torne agora à religião do coração e você verá um relatório muito diferente. Como uma regra geral ela nunca teve a apreciação do gênero humano. Requereu dos que a professam, riso, escárnio, ridicularização, desdém, desprezo, inimizade, ódio, calunia, perseguição, encarceramento e até mesmo a morte. Seus amantes foram fieis e zelosos – mas sempre foram poucos. Nunca teve, comparativamente, “o louvor do homem”.
A religião do coração é muito humilhante para ser popular. Não deixa para o homem natural nada do que se vangloriar. Diz-lhe que é um pecador culpado, perdido, merecedor do inferno, e que ele tem que correr para Cristo a fim de ser salvo. Fala que ele está morto, e deve viver novamente e nascer do Espírito. O orgulho do homem se rebela contra tais ensinos. Ele odeia que lhe digam que seu caso é tão ruim.
A religião do coração é muito santa para ser popular. Não deixará o homem natural quieto. Interfere no seu mundanismo e pecados. Requer dele coisas que ele abomina e das quais é avesso – conversão, fé, arrependimento, mente inclinada para coisas espirituais, leitura da Bíblia, oração. Ordena que deixe muitas coisas que ele ama e se apega, as quais não pode deixar de lado. Realmente seria estranho se ele gostasse disto. Cruza seu caminho como um estraga prazeres e é absurdo esperar que ele se agrade nela.
A religião do coração era popular no tempo do Velho Testamento? Nós achamos Davi se lamentando: “Aqueles que se sentam à porta falam de mim; e sou objeto das cantigas dos bêbedos” (Sl. 69:12). Nós encontramos os profetas sendo perseguidos e maltratados porque eles pregaram contra o pecado, e exigiam dos homens que dessem seus corações a Deus. Foi o caso de Elias, Micaías, Jeremias, Amós. Para o formalismo e cerimonialismo os judeus parecem nunca ter feito objeção. Aqueles que eles repugnaram estavam servindo Deus com seus corações.
A religião do coração era popular no tempo do Novo Testamento? Toda a história do ministério de nosso Senhor Jesus Cristo e as vidas de seus apóstolos são uma resposta satisfatória. Os escribas e fariseus teriam recebido de boa vontade, um Messias que encorajasse o formalismo e um evangelho que exaltasse o cerimonialismo. Mas eles não puderam tolerar uma religião na qual os primeiros princípios eram humilhação e santificação de coração.
A religião do coração foi alguma vez popular na igreja professa de Cristo durante os últimos dezoito séculos? Nunca, exceto nos primeiros séculos quando a igreja primitiva não tinha abandonado seu primeiro amor. Cedo, muito cedo, os homens que protestaram contra o formalismo e sacramentalismo foram cruelmente denunciados como “perturbadores de Israel”. Muito antes da Reforma, qualquer um que clamasse por um coração santo e pregasse contra a formalidade era tratado como um inimigo comum. Ele era silenciado, excomungado, encarcerado ou condenado a morte como John Huss. No tempo da própria Reforma, o trabalho de Lutero e seus companheiros foi levado avante sob uma tempestade incessante de calúnia e difamação. E por quê? Porque eles protestaram contra o formalismo, cerimonialismo, monasticismo e sacerdócio, e ensinavam a necessidade de uma religião proveniente do coração.
A religião do coração alguma vez foi popular em nossa própria terra no passado? Nunca, excluindo uma pequena época. Não era popular nos dias da Rainha Mary, quando foram queimados os mártires Latimer e seu irmão. Não era popular nos dias de Stuarts, quando ser um Puritano era pior do que se embebedar ou praguejar. Não era popular no meio do século 18, quando Wesley e Whitefield foram postos para fora da igreja. A causa de nossos mártires reformadores, dos primeiros puritanos e dos metodistas, era essencialmente uma e a mesma. Todos eles eram odiados porque pregavam a inutilidade do formalismo e a impossibilidade de salvação sem arrependimento, fé, regeneração, mente espiritual e santidade de coração.
A religião do coração é popular hoje em dia? Eu respondo tristemente que eu não acredito que seja. Veja seus seguidores entre os leigos. Eles sempre são poucos, comparativamente. Eles estão só nas suas respectivas congregações e paróquias. Eles têm que agüentar muitas coisas difíceis, palavras ásperas, imputações cruéis, tratamento injusto, risadas, ridicularizações, calúnias e perseguição mesquinha. Isto não é popularidade! Examine os mestres da religião do coração no púlpito. Eles são amados e queridos, sem dúvida, pelos poucos ouvintes que concordam com eles. Eles, às vezes, são admirados por seu talento eloqüência, por aqueles que não concordam com eles. Eles são até chamados “pregadores populares” por causa das multidões que escutam suas pregações. Mas ninguém conhece tão bem como os mestres fiéis da religião de coração que poucos gostam deles verdadeiramente. Poucos os ajudam de fato. Poucos simpatizam com eles. Poucos os sustentam nas horas de necessidade. Eles acham, como seu Mestre divino, que eles têm que trabalhar quase que sós. Eu escrevo estas coisas com pesar, mas eu acredito que elas são verdadeiras. A religião do coração hoje, assim como no passado, não tem “o louvor do homem”.
Mas afinal de contas, pouco significa o que homem pensa e o que ele louva. Aquele que nos julga é o Senhor. Os homens não nos julgarão no último dia. Os homens não se sentarão no grande trono branco, examinarão nossa religião e pronunciarão nossa sentença eterna. Aqueles que só Deus louva serão louvados mediante a justiça de Cristo. Aqui repousa o valor e a glória da religião de coração. Pode não ter o elogio do homem, mas tem “o louvor de Deus”.
Deus aprova e honra a religião do coração. Ele olha para baixo do céu e lê os corações de todas os filhos dos homens. Onde quer que Ele veja coração arrependido do pecado, coração que tem fé em Cristo, coração em santidade de vida, coração que ama Seu Filho, Sua lei, Sua vontade, e sua Palavra – onde quer que Deus veja estas coisas Ele se compraz. Ele escreveu um livro como memorial para o homem, por mais pobre e inculto que ele possa ser. Ele dá aos Seus anjos uma ordem especial em favor dele. Ele mantém nele o trabalho da graça e lhe dá suprimentos diários de paz, esperança e força. Ele o considera como um membro do Seu próprio e querido Filho, como um que testemunha a verdade como fez seu Filho. Fraco como o coração do homem pode parecer a Ele, é o sacrifício vivo que Deus ama e o coração que Ele declarou solenemente que Ele não desprezará. Tal louvor é muito mais importante do que o louvor do homem!
Deus proclamará Sua aprovação à religião do coração ante todo o mundo no último dia. Ele ordenará aos seus anjos que reúnam Seus santos, de toda parte do globo, em uma só glorioso grupo. Ele ressuscitará o morto e transformará o vivente e os colocará à mão direita do trono de seu Filho amado. Então todo aquele que serviu a Cristo com o coração, Lhe ouvirá dizer: Então dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai. Possuí por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo; E digo-vos que todo aquele que me confessar diante dos homens, também o Filho do homem o confessará diante dos anjos de Deus; Mas vós sois os que tendes permanecido comigo nas minhas provações; e assim como meu Pai me conferiu domínio, eu vo-lo confiro a vós;” (Mt. 25: 34; Lc 12:8; 22:28-29). Estas palavras serão ditas a somente àqueles que deram seus corações para Cristo! Elas não serão ditas ao formalista, ao hipócrita, ao ímpio e ao descrente. Eles verão os frutos da religião do coração, mas não comerão deles. Nós nunca saberemos o real valor da religião do coração até o último dia. Então, e só então, nós entenderemos completamente quanto melhor é ter o louvor de Deus do que o louvor do homem.
Se você possui a religião do coração, eu não lhe posso prometer o louvor do homem. Perdão, paz, esperança, direção, conforto, consolo, graça de acordo com sua necessidade, força de acordo com seu dia, alegria que o mundo nem pode dar, nem pode tirar – tudo isto eu posso corajosamente prometer ao homem que vem a Cristo e O serve com seu coração. Mas eu não posso prometer a ele que a religião dele será popular junto ao homem. Eu o advertiria a esperar escárnio e ridicularização, calúnia e descortesia, oposição e perseguição. Há uma cruz para a religião do coração e nós devemos estar contentes em tomá-la. “Por muitas tribulações nos é necessário entrar no reino de Deus”; “na verdade todos os que querem viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos” (At. 14:22; 2 Tm. 3:12). Mas se o mundo lhe odeia, Deus o amará. Se o mundo o abandona, Cristo prometeu que nunca o abandonará e nunca falhará. Tudo o que você pode perder com a religião do coração, esteja certo de que o louvor de Deus o compensará por tudo.
E agora eu fecho com três palavras claras de aplicação . Eu quero que elas golpeiem e se fixem à consciência de todos os que estão lendo minhas palavras. Possa Deus fazer disto uma bênção para muitos no tempo e na eternidade!
(1) Sua religião é uma questão de forma e não de coração? Responda esta pergunta honestamente, como à vista de Deus. Se for, considere solenemente o imenso perigo no qual você está .
Você não tem nada para confortar sua alma no dia do julgamento, nada que lhe dê esperança em seu leito de morte, nada para salvá-lo no último dia. A religião formal nunca levou qualquer homem ao céu. Como metal, não resistirá ao fogo. Continuando no seu estado presente você está em perigo iminente de se perder para sempre.
Eu seriamente lhe peço hoje para reconhecer seu perigo, abrir seus olhos e se arrepender. Não importa a que religião pertença ou o cargo que nela ocupa, se você tem só um nome para viver, e uma forma de piedade sem poder, desperte e se arrependa. Desperte, acima de tudo, se você é um formalista evangélico. Não há nenhum formalismo tão perigoso como o formalismo evangélico.
Eu só posso lhe advertir. E eu o faço com toda afeição. Só Deus pode aplicar esta advertência em sua alma. Oh, que você veja a loucura, como também o perigo, de um Cristianismo insensível! Era um conselho sadio o que um homem agonizante em Suffolk deu uma vez ao seu filho: “Filho”, ele disse, “qualquer religião que você tenha, nunca esteja contente usando uma capa”.
(2) Em segundo lugar, se seu coração o condena e você deseja saber o que fazer, considere seriamente o único curso que você pode tomar seguramente.
Recorra ao Senhor Jesus Cristo sem demora e derrame ante Ele o estado de sua alma. Confesse a Ele sua formalidade do passado e Lhe peça que o perdoe. Busque Dele a graça prometida do Espírito Santo e Lhe rogue para acelerar e renovar seu homem interior.
O Senhor Jesus é designado e é comissionado para ser o Médico da alma humana. Não há um caso muito difícil para Ele. Não há nenhuma condição da alma que Ele não possa curar. Não há nenhum diabo que Ele não possa lançar fora. Mesmo cauterizado e endurecido como o coração de um formalista pode ser, há bálsamo em Gileade que o pode curar e um Médico que é poderoso para salvar. Vá e clame ao Senhor Jesus Cristo ainda hoje “Pelo que eu vos digo: Pedi, e dar-se-vos-á; buscai e achareis; batei, e abrir-se-vos-á;” (Lc. 11:9).
(3) Em último lugar, se o seu coração não o condena, e você tem uma real e bem-fundamentada confiança com respeito a Deus, considere seriamente as muitas responsabilidades de sua posição.
Louve diariamente Aquele que o chamou das trevas para luz e lhe fez diferente. Louve-O diariamente e Lhe peça que nunca abandone o trabalho de Suas mãos.
Atente, com uma vigilância zelosa, cada parte de seu homem interior. Formalidade está sempre pronta a entrar em nós, como a pestilência egípcia de rãs que entraram até mesmo na câmara do rei. Atente, e esteja em guarda. Atente para a sua leitura da Bíblia, sua oração, seu temperamento e sua língua, sua vida familiar e sua religião de domingo. Não há nada tão bom ou espiritual que não possamos transformar em meros hábitos, ou, não há ninguém tão espiritual que não possa sofrer uma triste queda. Portanto vigie e esteja em guarda.
Finalmente, olhe adiante e espere a vinda do Senhor. As suas melhores coisas ainda estão por vir. A segunda vinda de Cristo logo acontecerá. O tempo da tentação logo terá passado. O julgamento e a recompensa dos santos logo compensarão tudo. Descanse na esperança daquele dia. Trabalhe, vigie e olhe adiante. De qualquer modo, uma coisa naquele dia ficará muito claro: mostrará que nunca houve uma hora em nossas vidas na qual nós demos nossos corações completamente a Cristo.