Dar-vos-ei coração novo e porei dentro de vós espírito novo; tirarei de vós o coração de pedra e vos darei coração de carne. Ezequiel 36:26.
CONTEMPLEM UMA DAS MARAVILHAS do amor divino. Quando Deus fez suas criaturas, uma criação que Ele considerou como suficiente, se estas caíssem da condição em que tinham sido criadas, Deus, normalmente, consentia que sofressem o castigo de sua transgressão, e que morressem no lugar em que elas caíram. Mas aqui Ele faz uma exceção; o homem, o homem caído, criado puro e santo por seu Criador, se rebelou ímpia e deliberadamente contra o Altíssimo, e perdeu seu primeiro estado, mas contemplem, ele é para ser o objeto de uma nova criação através do poder do Espírito Santo de Deus. Contemplem isto e maravilhai-vos! Que é o homem comparado com um anjo? Não é algo pequeno e insignificante? “E aos anjos que não guardaram o seu principado, mas deixaram a sua própria habitação, Ele os tem reservado em prisões eternas na escuridão para o juízo do grande dia”. Deus não teve misericórdia deles; Ele lhes fez puros e santos, e deveriam ter permanecido assim, porém visto que eles deliberadamente se rebelaram, Ele arremessou-lhes de seus brilhantes tronos para sempre, e sem uma só promessa de misericórdia, lhes encerrou nas sólidas masmorras do destino, para sofrer o tormento eterno. Porém maravilhai-vos, oh céus, o Deus que destruiu os anjos desceu de Seu alto trono na glória para falar ao homem e assim dizer-lhe: “Ora, vós caístes de mim como os anjos; vós haveis errado grandemente, e haveis deixado meus caminhos – não por amor de vós Eu faço isto, mas por amor de meu próprio nome – eis que Eu repararei o dano que vossa própria mão tem feito; tirarei de vós o coração que se tem rebelado contra mim. Eu colocarei minha mão uma segunda vez para trabalhar; uma vez mais vos colocarei sobre a roda do oleiro, e farei de vós um vaso de honra, aptos para meu gracioso uso. Tirarei o coração de pedra, e vos darei um coração de carne; um novo coração vos darei; um novo espírito porei dentro de vós.” Não é isto uma maravilha da soberania divina e da infinita graça, que embora os poderosos anjos foram lançados no fogo para sempre, Deus fez um pacto com o homem de que Ele iria renová-lo e restaurá-lo?
E agora, meus queridos irmãos, tentarei esta manhã, em primeiro lugar, mostrar a necessidade da grande promessa contida em meu texto, que Deus nos dará um coração novo e um espírito novo; e em segundo lugar, me esforçarei para mostrar a natureza da grande obra que Deus faz na alma, quando Ele cumpre esta promessa; e por último, algumas observações pessoais para todos os meus ouvintes.
I. Em primeiro lugar, é meu dever esforçar-me para mostrar A NECESSIDADE DESTA GRANDE PROMESSA. Não é que seja necessário alguma demonstração aos Cristãos iluminados e vivificados; mas isto é para a convicção do ímpio, e para a humilhação de nosso orgulho carnal. Oh, que esta manhã o gracioso Espírito possa nos mostrar nossa depravação, que possamos através disso sermos levados a buscar a realização desta misericórdia, a qual é certamente e abundantemente necessária, se quisermos ser salvos. Você notará em meu texto que Deus não tem prometido aperfeiçoar nossa natureza ou remendar nossos corações partidos. Não, sua promessa consiste em nos dar um novo coração e um espírito de retidão. A natureza humana está muito longe de ser apenas melhorada. Não é como uma casa que precisa de pequenos reparos, tais como substituir uma telha ou fazer um reboco no teto. Não, ela está completamente corrompida. Até seu alicerce está arruinado. Do teto ao alicerce, não há uma viga sequer que não tenha sido comida pelos cupins. Não existe mais solidez, está toda apodrecida e pronta para desabar. Deus não faz tentativas ou experimentos com o homem; Ele não escora as paredes com estacas ou pinta novamente as portas; não ornamenta e embeleza, mas determina que a velha casa seja completamente derrubada, e uma nova seja construída em seu lugar. Como já mencionei, isto é mais do que ser restaurada ou melhorada. Se apenas algumas peças estivessem em mau estado, poderiam ser consertadas. Se tão-somente uma ou duas engrenagens desta grande máquina chamada humanidade” estivessem quebradas, o Criador colocaria tudo em ordem. Trocaria as peças quebradas, substituiria a roda danificada, e a máquina voltaria a trabalhar. Pelo contrário, os reparos são necessários por toda parte; não há sequer uma alavanca que não esteja quebrada ou eixo sem estragos; nenhuma das engrenagens funciona corretamente. A cabeça toda está doente e o coração completamente debilitado. Da sola dos pés à cabeça, a raça humana está toda infestada de chagas e feridas pútridas. Por isso, o Senhor, não pensa em apenas um simples reparo. Ele diz: Dar-vos-ei coração novo e porei dentro de vós espírito novo; tirarei de vós o coração de pedra e vos darei coração de carne”.
Agora procurarei mostrar que Deus é justificado nisto, e que houve uma necessidade abundante para que adotasse a resolução de agir assim. Porque em primeiro lugar, se você considerar o que a natureza humana era, e o que ela é, não passaria muito tempo antes de você dizer: “Ah, este é deveras um caso sem esperança”. Considere então, por um momento quão má a natureza humana deve ser, se pensarmos quão hostilmente ela tem tratado seu Deus. Recordo que William Huntingdon disse em sua autobiografia, que uma das mais profundas sensações de pena que teve, depois de ter sido vivificado pela graça divina foi esta: “Ele sentiu lástima por Deus”. Não sei se me deparei com esta expressão em outro lugar, mas ela é muito expressiva; embora eu preferiria dizer sentir simpatia para com Deus e pesar pelo mau trato que recebe. Ah, meus amigos, há muitas pessoas que são esquecidas, que são desprezadas e menosprezadas por seus companheiros; porém, jamais houve algum homem que tenha sido tão desprezado como o eterno Deus tem sido. Muitos homens têm sido difamados e ofendidos, mas nunca um homem foi tão ofendido como Deus tem sido. Muitos têm sido tratados cruelmente e de forma ingrata, mas nunca alguém foi tratado como o nosso Deus tem sido. Olhemos para nossas vidas passadas – quão ingratamente tínhamos sido para com Ele! Ele nos deu a existência, e a primeira palavra de nossos lábios deveria ter sido em Seu louvor; e enquanto vivermos aqui, nosso dever é o de cantar perpetuamente Sua glória; porém em vez disto, desde o nosso nascimento temos dito somente o que é falso, enganoso e ímpio; e desde então temos continuado a fazer o mesmo. Nunca temos correspondido às Suas muitas misericórdias com gratidão e agradecimento, mas as temos esquecido sem um único aleluia, crendo, em nossa indiferença para com o Altíssimo, que estávamos tentando esquecer Deus porque Ele havia se esquecido totalmente de nós. Pensamos tão raramente Nele que bem se poderia imaginar que, certamente, Deus nunca nos deu ocasião para pensarmos Nele. Addison disse:
“Quando todas as tuas misericórdias, Oh meu Deus,
Minha alma nascente analisa,
Transportada com a visão, me perco
Em maravilha, amor e louvor”.
Porém eu creio que, se olharmos para trás com olhos de penitência, seremos imersos em assombrosa vergonha e tristeza, porque nosso choro será: “Como pude tratar tão mal a um amigo tão bom? Como pude esquecer-me de tão misericordioso e benfeitor, e não haver abraçado nunca a um pai tão dedicado? Como nunca LHE dei o beijo de minha amorosa gratidão? Como nunca busquei a forma de fazer algo para indicar-LHE que apreciava Sua bondade, e que sentia um grato retorno de Seu amor em meu coração?”
Porém, pior do que isto, nós não temos somente nos esquecido Dele, mas temos nos rebelado contra Ele. Temos assaltado o Altíssimo. Se conhecermos qualquer coisa que nos faça lembrar de Deus, pronto a odiamos; temos desprezado Seu povo, temos chamado-os de santarrões, de hipócritas e de Metodistas. Temos menosprezado Seu dia; Ele o separou intencionalmente para o nosso bem, e este dia temos tomado para os nossos próprios prazeres e trabalhos em vez de consagrá-lo a Ele. Ele nos deu um livro como uma prova de amor, e deseja que o leiamos, porque este livro está cheio do Seu amor para conosco; e o temos guardado perenemente fechado até as aranhas tecerem suas teias ao redor de suas folhas. Ele abriu uma casa de oração e nos convidou para irmos lá, para falar-nos ali desde Seu trono de misericórdia; porém nós temos frequentemente preferido o teatro à casa de Deus, e o escutar qualquer coisa antes que a voz que nos fala desde o céu.
Ah, meus amigos, novamente vos digo que nunca houve um homem tratado pelos seus semelhantes, até mesmo o pior dos homens, tão mal como Deus tem sido, e todavia enquanto os homens têm maltratado-O, Ele ainda continua a abençoá-los; Ele tem colocado fôlego nas narinas do homem, até quando este LHE tem amaldiçoado; Ele tem dado alimento para ele comer até quando este tem gasto a força de seu corpo em guerra contra o Altíssimo; e no próprio Domingo, quando tu tem estado quebrando Seus mandamentos e gastando o dia em suas próprias luxúrias, é Ele que tem dado luz aos teus olhos, fôlegos para os seus pulmões, e força para seus nervos e tendões; abençoando você enquanto tu LHE amaldiçoa. Oh! Que consolo saber que Ele é Deus e não muda, se não nós, os filhos de Jacó, teríamos sido consumidos a muito tempo atrás, e justamente também.
Imaginem uma pobre criatura morrendo em uma fossa. Não creio que tal coisa aconteça neste país; mas se tal coisa ocorresse, se alguém que fosse rico subitamente se tornasse pobre e todos os seus amigos lhe abandonassem; e se quando ele pedisse pão ninguém lhe ajudasse, até que finalmente, e sem sequer um trapo para se cobrir, seu corpo maltratado fosse lançado vivo em uma fossa. Isto, eu creio, seria o extremo do menosprezo humano à humanidade; mas Jesus Cristo, o Filho de Deus, foi tratado mais perversamente do que isto. Seria mil vezes mais misericordioso para com Ele, se eles O tivessem permitido morrer desamparado em uma fossa; mas a natureza humana não tem sido tão boa assim. Ele teve que conhecer o ápice da maldade humana, e portanto Deus permitiu que os homens se apoderassem de Cristo e o cravassem no madeiro. Ele permitiu que O colocassem dependurado no madeiro e que zombassem de sua sede oferecendo-LHE vinagre, e que ridicularizassem e desprezassem o extremo de Suas agonias; Deus permitiu que os homens fizessem Dele um objeto de risos e desdém, e que olhos lascivos e cruéis contemplassem o seu corpo rasgado e despido.
Oh! Opróbrio da humanidade: nunca houve alguma criatura tão perversa como o homem. As próprias bestas são melhores do que ele, porque o homem tem os piores atributos delas e nenhum dos seus melhores. Ele tem a ferocidade do leão sem sua nobreza; tem a teimosia de um asno sem sua paciência; tem toda a gula devoradora de um lobo, sem a sabedoria de evitar as armadilhas. Ele é um abutre ávido por cadáver, porém nunca está satisfeito; ele é a própria serpente com o veneno de áspide debaixo de sua língua, porém expele seu veneno tanto perto como longe. Ah, se você julgasse a natureza humana por sua forma de tratar a Deus, verdadeiramente reconheceria que é demasiada má para poder ser remendada, e que é necessário ser feita de novo.
Novamente, há outro aspecto sobre o qual podemos considerar a malignidade da natureza humana: o seu orgulho. Está é a própria frase que demonstra a maldade do homem – que ele é tão orgulhoso. Amado, o orgulho está entrelaçado na própria trama e urdume de nossa natureza, e não nos desfaremos dele até que sejamos envoltos em nosso sudário. É surpreendente que quando estamos em nossas orações – quando tentamos fazer uso de expressões humildes, somos denunciados pelo orgulho. Aconteceu-me isto outro dia, quando me encontrava de joelhos, fazendo uso de uma expressão como esta: “Oh Senhor, me aflijo diante de Ti; oxalá não tivesse sido tão pecador como tenho sido. Oh, se nunca me revoltasse e rebelasse como tenho feito”. Aí estava o orgulho; porque, quem sou eu? Por que me lamentava? Eu deveria saber que eu era tão pecador que não era anormal ter me extraviado anteriormente. A maravilha era que eu não tinha chegado a ser tão mal devido a Deus, e não devido a mim mesmo. De forma que quando tentamos ser humildes, podemos estar imprudentemente precipitando no orgulho. Que coisa estranha é o ver um tão culpado e miserável pecador orgulhoso de sua moralidade!; e apesar disto, é algo que encontramos todos os dias. Um homem que é um inimigo de Deus, orgulhoso de sua honestidade, e não obstante roubando a Deus; um homem orgulhoso de sua castidade, e todavia se olhamos para os seus pensamentos, eles estão cheios de lascívia e impureza; um homem orgulhoso do louvor de seus companheiros, enquanto ele próprio é censurado por sua consciência e pelo Deus Todo-Poderoso. É uma coisa espantosa e estranha pensar que o homem possa ser orgulhoso, quando ele não tem nada de que se ufanar. Um pedaço de barro vivo e animado – poluído e corrompido, um inferno vivente, e contudo orgulhoso. Eu, um filho bastardo daquele que roubara o jardim de ouro de seu Mestre, daquele que se desviou e não quis ser obediente; daquele que desprezou tudo quanto tinha pelo vil valor de uma maça !; e ainda assim orgulhoso de minha ancestralidade ! Eu, que vivo da caridade diária de Deus, orgulho de minha riqueza, quando não tenho um centavo para me abençoar, a menos que Deus decida dá-lo a mim ! Eu, que vim nu a este mundo e nu sairei dele ! Eu, orgulhoso de minhas riquezas – que coisa estranha ! Eu, um novato selvagem, um ignorante que nada sabe, orgulhoso de minha sabedoria ! Oh, que coisa estranha é que esse néscio chamado homem se intitule a si mesmo de doutor, e se faça mestre de todas as artes quando não o é de nenhuma, e é muito mais tolo quando crê que sua sabedoria alcançou o mais alto grau. E oh, o mais estranho de tudo é que este homem que tem um coração enganoso – cheio de todos os tipos de concupiscências, e adultério, idolatria, e luxuria, se atreva a dizer que é uma excelente pessoa, e que se ensorbebeça crendo que, porque reúne algumas boas qualidades, é digno da veneração de seus semelhantes, se não da consideração do Altíssimo. Ah, a natureza humana, esta é tua própria condenação: orgulhosa, quando não tem do que se gloriar. Escreva “Ichabod” [N.T.: ‘onde está a glória?’ ou ‘a glória se foi’] sobre ela. A glória se foi para sempre da natureza humana. Rupudiemo-la, e que Deus nos dê uma nova, porque a velha jamais poderá ser melhorada. Ela está irremediavelmente insana, decrépita e corrompida.
Além do mais, é totalmente certo que a natureza humana não pode ser melhorada, porque muitos têm tentado, mas sempre com fracasso. Um homem, tentando corrigir a natureza humana, é como alguém tentando mudar a posição de um catavento, girando-o para o este quando o vento está soprando para o oeste; e quando tirar as mãos dele, tornará de novo a sua posição anterior. Tenho visto alguns que tratam de restringir sua natureza – pessoas de temperamento colérico, que tentam se consertar um pouco e conseguem, porém em seguida volta a aparecer, já que se o fogo não arde normalmente, nem as chamas encontram saída, queima seus ossos até se tornarem brancos com o calor da malícia, deixando em seu coração um resíduo de cinzas de vingança. Tenho visto um homem tentando se fazer religioso, e que monstruosidade ele faz consigo mesmo ao tentar fazê-lo, porque suas pernas não são iguais e caminham manquejando no serviço de Deus; ele é uma criatura deformada e rude, e todo aquele que olha para ela descobre logo a inconsistência de sua profissão. Oh! asseguramos que é em vão para tal homem tentar se parecer branco, bem como para o Etíope pensar que pode fazer sua pele se parecer branca pela aplicação de cosméticos sobre ela, ou para o leopardo pensar que suas manchas podem ser limpas; que tal homem nunca imagine que pode cancelar a ruindade de sua natureza por esforços religiosos.
Ah, eu tenho tentado muitas vezes reformar-me sem nenhum êxito; quando começava, encontrava um demônio dentro de mim, e quando terminava, o número tinha aumentado para dez. Em vez de me tornar melhor, piorava; e os diabos da minha justiça própria, da confiança em si mesmo, do orgulho e de muitos outros faziam em mim morada. Quando estava ocupado varrendo minha casa e adornando-a, eis aqui um que procurava livrar-se disso, e que tinha saído um pouco, retornando e trazendo consigo outros sete espíritos mais ímpios do que ele mesmo, e entrando e habitando ali. Ah, meus queridos amigos, vocês podem tentar se reformar, mas descobrireis vossa impossibilidade, e lembrarão que mesmo se pudessem, não seria esta a obra que Deus requer; Ele não quer reformas, mas renovação; Ele não deseja um coração um pouco melhorado, mas um novo coração.
Mas, novamente, vocês facilmente perceberão que devem ter um novo coração, quando considerarem quais sãos as ocupações e gozos da religião Cristã. A natureza que pode alimentar-se da imundícia do pecado e devorar o cadáver da iniqüidade, não é de modo algum a natureza que poderá cantar louvores a Deus e regozijar em Seu santo nome. O corvo, que tem comido de tudo que é repugnante, esperais que ele chegará a ter a bondade da pomba e brincar com o seu par no telhado?; não! a menos que possais mudar o corvo em uma pomba; porque enquanto ele for corvo, todas suas propensões inatas lhe inclinarão sempre para o imundo e lhe será impossível fazer algo que esteja acima de sua natureza de corvo. Vocês têm visto o abutre devorando a carne putrefata, e esperais ver-lhe pousado na grama cantando louvores a Deus, com seu rouco chiado e grasna garganta? e vocês podem imaginar que o vereis como a galinha, picando o grão limpo à porta do celeiro, sem que seu caráter e disposição sejam completamente mudados? Impossível. Vocês podem imaginar que um leão deite com um bezerro, e coma palha como o boi, sendo leão? Não; deve haver uma mudança. Você pode colocar nele pele de ovelha, porém jamais será uma ovelha, a menos que a natureza de leão seja despojada. Tentai melhorar um leão por tanto tempo como quiserem; se o próprio Van Amburgh tivesse estado melhorando seus leões durante mil anos, jamais haveria feito deles ovelhas. E também podeis tentar melhorar o corvo e o abutre durante todo o tempo que lhe agradar, porém jamais podereis fazer deles pombas; é necessário que haja uma mudança total de caráter. Assim pois, dizei-me: É possível que um homem que tenha estado cantando as obscenas canções da embriagues, que tenha manchado seu corpo com toda classe de impurezas e tenha amaldiçoado a Deus, possa entoar Seus supremos louvores no Céu como àquele que tem amado os caminhos da pureza e da comunhão com Cristo? Não, nunca, a menos que sua natureza tenha sido totalmente mudada. Porque se sua condição segue sendo a mesma, a aperfeiçoareis como puder, e nunca alcançareis nada melhor. Enquanto o coração for o que é, nunca podereis o fazer sentir os gozos celestiais da natureza espiritual dos filhos de Deus. Por conseguinte, irmãos, é certamente necessário que uma nova natureza nos seja impartida.
E uma consideração a mais, e concluirei este ponto. Deus odeia uma natureza depravada, e portanto esta deve ser tirada, antes que possamos ser aceitos por Ele. Deus não odeia o nosso pecado tanto como nossa pecaminosidade. Não o transbordar do manancial, mas a própria fonte. Não a flecha que sai do arco de nossa depravação, mas o braço que levanta o arco do pecado e o motivo que lança os dardos contra Deus. O Senhor não está irado somente contra nossos atos manifestos, mas contra a natureza que dita os atos. Deus não é tão míope que enxergue somente a superfície, Ele observa a própria fonte e origem. Ele diz: “Em vão será que façais o fruto bom, se a árvore permanece corrupta. Em vão tratais de adoçar a água, enquanto a própria fonte está poluída”. Deus está irado com o coração do homem; Ele tem uma ira contra a natureza depravada do homem, e Ele a tirará e a arrancará totalmente antes de admitir este homem em alguma comunhão com Ele – e acima de tudo, na doce comunhão do Paraíso. Há portanto, uma exigência de uma nova natureza, e que nós a devemos ter, ou de outro modo, jamais poderemos ver Seu rosto com favor.
II. E agora, será minha prazenteira ocupação esforçar-me, em segundo lugar, para apresentar-vos mui brevemente A NATUREZA DESTA GRANDE MUDANÇA QUE O ESPÍRITO SANTO OPERA EM NÓS.
E, posso começar observando, que esta é uma obra divina do começo ao fim. O dar ao homem um novo coração e um novo espírito é uma obra de Deus, e uma obra de Deus somente. O armianismo cai por terra quando chegamos a este ponto. Nada se enquadra aqui melhor do que aquela verdade que não está em moda, que os homens chamam de Calvinismo. “A Salvação é do Senhor somente”; esta verdade suportará o teste dos séculos e não poderá ser movida, porque ela é a verdade imutável do Deus vivo. E todo o caminho da salvação temos que aprender desta verdade, mas especialmente quando chegamos aqui, a esta particular e indispensável parte da salvação, a formação de um novo coração dentro de nós. Esta deve ser uma obra de Deus; o homem não pode se reformar por si só, mas como o homem pode dar a si mesmo um novo coração? Eu não preciso me estender mais sobre este pensamento; num momento, ele se tornará evidente para vocês, pois a própria natureza da mudança e os termos em que ela é mencionada aqui, a coloca além de todo poder do homem. Como pode o homem colocar em si mesmo um novo coração, quando este, sendo o poder motivador de toda a vida, deve exercer sua ação antes que alguma coisa possa ser feita? E assim sendo, como poderão os esforços de um coração velho produzir um novo coração? Podeis imaginar que uma árvore com um coração podre, possa, por sua própria energia vital, criar para si mesma um novo coração? Não podeis supor tal coisa, Se o coração fosse reto em sua essência, e os defeitos estivessem simplesmente em alguns ramos da árvore, vocês poderiam conceber que a árvore, através do poder vital de sua seiva dentro de seu coração, poderia retificar o erro. Sabemos que há certa classe de insetos que quando perdem seus membros, pelo poder vital que há neles, são capazes de recuperá-los novamente. Porém, arrancai a fonte do poder vital – o coração; deixe-o enfermar ali, e que poder existe que possa, por alguma possibilidade, retificá-lo, a menos por um poder sem fim – na realidade, um poder de cima? Oh amados, jamais houve um homem que tenha andado tanto quanto a grossura de um cabelo, no caminho que conduz a um novo coração. Ele deve permanecer passivo ali – ele se tornará ativo mais adiante – mas no momento em que Deus coloca uma nova vida na alma, o homem está passivo: e se existe algo de atividade, é uma atividade de resistência contra isto, até que Deus, derrotando a resistência pela Sua vitoriosa graça, exerce Seu senhorio sobre a vontade do homem.
De novo, esta é uma mudança graciosa. Quando Deus coloca um novo coração no homem, não é porque o homem mereça um novo coração – porque não há nada de bom em sua natureza, que possa ter movido Deus a lhe dar um novo espírito. O Senhor simplesmente dá ao homem um novo coração, porque Ele assim o deseja; esta é sua única razão. “Mas”, você diz, “suponha que um homem clame por um novo coração?” Eu respondo, nenhum homem jamais clamou por um novo coração até que ele o tenha recebido, porque o clamor por um novo coração prova que já existe um novo coração ali. Mas, diz alguém: “Não devemos pois, pedir por um espírito novo?” Sim, sei que esta é vossa obrigação – mas, sei igualmente que esta é uma obrigação que nunca será cumprida. Vocês são ordenados a fazer por si mesmos novos corações, mas sei que nunca tentareis fazê-lo, até que Deus em primeiro lugar os movo a isto. Assim que vocês começarem a buscar por um novo coração, isto será uma evidência presumível de que o novo coração já está ali em seu germe, porque não teria existido esta germinação em oração, a menos que a semente estivesse ali antes disso. “Mas”, diz outro, ” suponhamos que haja alguém que não tenha esse novo coração, e contudo anseie tê-lo; ele o terá?” Tu não deverias fazer suposições impossíveis; enquanto o coração do homem for depravado e vil, ele nunca terá tal desejo. Eu não posso, portanto, falar que pode acontecer algo que nunca acontecerá. Eu não posso responder suas suposições; se você supõe você mesmo em uma dificuldade, você deve supor você mesmo fora dela. Mas o fato é que o homem nunca buscou, nem jamais buscará um novo coração ou um espírito reto, até que, antes de tudo, a graça de Deus comece sua obra nele. Se há algum Cristão aqui, que começou com Deus, que o publique nos quatro cantos da terra; ouçamos, ainda que somente uma vez, que houve alguém que se antecipou a seu Criador. Porém, eu nunca conheci nunca um caso parecido; todo Cristão declara que Deus começou a obra, e eles com gozo cantam:
“Foi o mesmo amor que preparou o banquete,
Que docilmente me forçou a entrar
Pois de outra forma, teria recusado provar,
E em meu pecado, perecido já”.
Esta é uma graciosa mudança, livremente dada sem qualquer mérito da criatura, sem qualquer desejou ou bom vontade que o precedam. Deus a opera por seu próprio beneplácito, e não de acordo com a vontade do homem. Uma vez mais: ela é um esforço vitorioso da graça divina. Quando Deus primeiramente começa a obra de mudar o coração, Ele encontra o homem totalmente contrário a que tal mudança se realize. O homem, por natureza, chuta e luta contra Deus; ele não quer ser salvo. Eu devo confessar que eu nunca teria sido salvo, se eu pudesse ter contribuído para isto. Durante todo o tempo que pude, me rebelei, revoltei e lutei contra Deus. Quando Ele queria que eu orasse, eu não o fazia: quando Ele queria que eu ouvisse a voz de um ministro, eu não ouvia. E quando eu ouvia, e as lágrimas rolavam em minha face, eu as secava e resistia ao derreter de meu coração. Quando meu coração era um pouco tocada, tentava distraí-lo com prazeres pecaminosos. E quando não era desta forma, tratava de defender-me com minha justiça própria; e não teria sido salvo se o sopro eficaz de sua graça não me houvesse alcançado, vencendo toda oposição com seu esforço irresistível. Ele conquistou minha vontade depravada, e me fez inclinar diante do cetro de Sua graça. E assim ocorre em todos os casos. O homem se revolta contra seu Criador e seu Salvador; mas quando Deus determina salvá-lo, Ele o salva. Deus terá o pecador, se Ele assim o decide. Deus nunca foi frustrado em qualquer um de Seus propósitos. O homem resiste com toda sua força, porém todo o poder do homem, tão tremendo como é para o pecado, não se iguala à majestosa virtude do Altíssimo, quando Ele cavalga na carruagem de Sua salvação. Ele salva irresistivelmente e vitoriosamente conquista o coração do homem.
E além do mais, esta mudança é instantânea. A santificação do homem é obra de toda uma vida; mas o dar ao homem um novo coração é uma obra instantânea; em um único segundo, mais rápido que a luz de um raio, Deus coloca no homem um novo coração, e faz dele uma nova criatura em Cristo Jesus. Tu podes estar aqui, sentado em teu banco, como inimigo de Deus, com um coração ímpio; duro como uma pedra; morto e frio; porém se o Senhor quiser, a centelha da vida cairpa em tua alma, e nesse momento começarás a tremer – começará a sentir; você confessará seus pecados, e correrá para Cristo pedindo misericórdia. As outras partes da salvação são feitas gradualmente, mas a regeneração é a obra instatânea da graça soberana, eficaz e irresistível de Deus.
III. Agora, temos neste assunto um grande campo de esperança e encorajamento para o mais vil dos pecadores. Meus ouvintes, permitam-me que com todo afeto me dirija a vocês, derramando meu coração diante de vocês por um momento ou dois. Há alguns de vocês aqui presentes que estão buscando misericórdia; durante muitos dias haveis estado orando em secreto, até que vossos joelhos fiquem dolorido com a freqüência de vossas intercessões. Vocês clamam a Deus, dizendo: “Cria em mim um coração puro, e renova um espírito reto dentro de mim”. Consolai-vos com esta consideração: sabeis que vossa oração já tem sido escutada. Vocês têm um coração novo e um espírito reto; talvez não serão capazes de perceber a verdade declaração durante os próximos meses; portanto, continuai orando até que Deus abra seus olhos, de forma que tu vejas que a oração foi respondida; mas, descanse seguro de que ela já tem sido respondida. Se odeias o pecado, esta não é a natureza humana; se anelais ser amigos de Deus, esta não é a natureza humana; se desejais ser salvo por Cristo, esta não é a natureza humana; se desejais sem condições alguma de vossa parte, que Ele vos tome para serem Seus, para preservá-los e guardá-los na vida e na morte, se quereis viver em Seu serviço, mesmo se fosse necessário morrer para Sua honra, isto não procede de uma natureza humana – isto é a obra da graça divina. Já há algo bom em vós; o Senhor começou a boa obra em vosso coração, e Ele a aperfeiçoará até o fim. Todos estes desejos e anelos são algo que vós jamais poderiam ter sentido de si mesmos. Deus tem vos ajudado a subir esta divina escada da graça, e tão certo como Ele tem feito que muitas aduelas fiquem para trás, Ele vos levará até o próprio pico, até Ele vos tomar nos braços de Seu amor na glória eterna.
Há outros de vocês contudo, que não progrediram tão longe, mas que estão sendo levados ao desespero. O diabo tem vos dito que não podeis ser salvos; você tem sido tão culpado, tão vil. Qualquer outra pessoa no mundo poderia encontrar misericórdia, menos você; porque você não deseja ser salvo. Escute-me então, querido amigo. Não tenho eu tentado fazer tão claro como a luz do sol que Deus nunca salva ao homem pelo que este é, e que não começa nem aperfeiçoa Sua obra em nós pelo que tenhamos de bom em nós mesmos? O maior dos pecadores pode ser tão merecedor da divina misericórdia como o menor dos pecadores. Aquele que tem sido o primeiro dos criminosos, repito, é tão digno de ser escolhido pela soberana graça, como o que tem sido o próprio exemplo da moralidade. Porque Deus não quer nada de nós. Ele não é como o lavrador; ele não deseja arar todos os dias sobre as rochas, e enviar seus cavalos sobre a areia; ele quer um terreno fértil para começar sua tarefa, mas Deus não é assim. Ele começa com o terreno rochoso, e Ele triturará estes corações rochosos de vocês até que eles se tornem em ricos e negros moldes de pesar penitencial, e então Ele semeará neles a semente da vida, até que dê cem vezes mais fruto. Mas Ele não quer nada de vocês, para começar. Ele pode te tomar, um ladrão, um beberrão, uma meretriz, ou o que você possa ser; Ele pode fazer com que tu caías de joelhos clamando por misericórdia, e então levar-te a ter uma vida santa, e te guardar até o fim. “Oh!”, alguém diz, “eu desejo que Ele faça isso comigo, então”. Bem, alma que assim falas, se é sincero no que diz, Ele fará. Se tu desejas, hoje serás salvo; jamais houve um Deus indisposto para um pecador bem disposto. Pecador, se tu queres ser salvo, Deus não deseja a morte de ninguém, senão que todos venham ao arrependimento; e tu és convidado livremente esta manhã a voltar teus olhos para a cruz de Cristo. Jesus Cristo sofreu os pecados dos homens, e levou suas aflições; você é convidada a olhar para lá, e confiar verdadeiramente, simples e irrestritamente. Então, tu serás salvo. Esse desejo teu, se é sincero, mostra que Deus já começou a produzir em ti uma viva esperança. Se esse sincero anelo permanece, será o sinal evidente de que o Senhor te trouxe para Ele próprio, e tu és e serás Seu.
E agora, todos vós reflitam – vós, que não sois convertidos – que todos vocês esta manhã estão nas mãos de Deus. Merecemos a condenação: se Deus nos condena, não haverá uma só palavra que possa alçar contra seu feito. Nós não podemos nos salvar; estamos totalmente em Suas mãos; como uma traça que é esmagada sob o dedo, Ele pode nos esmagar, se Ele quiser, ou Ele pode nos dar liberdade e nos salvar. Quais não devem ser nossos pensamentos atemorizantes, se cremos nisto. Porque, deveríamos cair sobre nosso rosto quando chegássemos em nossas casas, e clamar: “Grande Deus, salva-me, um pecador! Salva-me! Eu renuncio todos meus méritos, porque não tenho nenhum; eu mereço a perdição; Senhor, salva-me, por amor do nome de Cristo”; e vive o Senhor meu Deus, em cuja presença estou, que não haverá nenhum de vós que assim faça, a quem meu Deus feche as portas da misericórdia. Vá e prove-O, pecador; vá e prove-O! Caia de joelhos em teu quarto hoje, e prove meu Mestre. Veja se Ele não te perdoará. Você pensa tão cruelmente Dele. Ele é muito mais bondoso do que você pensa que Ele é. Você acha que Ele é um mestre rude, mas Ele não é. Eu pensava que Ele era severo e irado, e quando eu O procurei, disse: “Certamente, se Ele colocar todo o mundo ao meu lado, Ele me rejeitará”. Mas eu sei que Ele me tomou para Seu seio; e quando eu pensei que Ele me desprezaria para sempre, Ele disse: “Apagai as tuas transgressões como a névoa, e os teus pecados como a nuvem”, e eu me maravilhei como isto podia ser, e eu me maravilho agora. Mas, assim será no seu caso. Somente, prove-O, eu te suplico. O Senhor te ajuda a prová-LO, e para Ele será a glória, e para você a felicidade e a bem-aventurança, para sempre e sempre.
Um Sermão (Nº. 0212) – Pregado na Manhã de Sábado, 05 de Setembro de 1858 – No Salão de Música, Royal Surrey Gardens Inglaterra
Traduzido por: Felipe Neto