Remindo a Língua

Um dos pecados dos quais o cristão lastimar-se-á no final da sua peregrinação é a sua linguagem frívola. Tem-se por certo que nenhum crente verdadeiro se permite pecados externos tais como embriaguez, roubo ou imoralidade. Pressupõe-se, também, que o crente preocupa-se em eliminar todos os pecados internos, não somente os pensamentos pecaminosos. Mas há uma razão pela qual cremos que os nossos pecados da fala necessitam especialmente de correção.

Os nossos pecados da mente causam-nos muita vergonha interiormente; mas os pecados da nossa fala expõem-nos à vergonha aos olhos dos outros. Nossas palavras pecaminosas são os nossos pensamentos pecaminosos verbalizados. Eles são propalados audivelmente. Como um espelho, refletem a corrupção que há dentro de nós. Eles tanto ferem nós mesmos quanto os outros.

Todo cristão é profundamente grato por muitos dos seus pensamentos não serem conhecidos por ninguém mais, exceto por ele mesmo e Deus. Se o cérebro tivesse a capacidade natural de transmitir nossos pensamentos íntimos para outras pessoas, todos ficaríamos cobertos de vergonha e confusão. Quem poderia olhar nos olhos do seu próximo? Entretanto, Deus, em bondade, erigiu um cortina de privacidade em torno da mente, de forma que somente Ele e nós tomamos conhecimento do constante gotejar de pensamento ímpio e louco que há dentro de nós. Felizmente terceiros não precisam ser introduzidos nesse confessional.

Mas quando nossos pensamentos vestem-se de linguagem, eles removem esta cortina de silêncio e traspassam para o mundo exterior. Nossa loucura, anteriormente conhecida apenas de nós mesmos, está agora evidenciada a todos os homens. Teme-se, portanto, que não leiamos sobre este assunto na Palavra de Deus com a atenção merecida. O coração dos insensatos proclama a estultícia” (Pv. 12:23). “A boca dos insensatos derrama a estultícia (Pv. 15:2). A mulher insensata é gritadeira” (Pv. 9:13).* “Os lábios do insensato entram na contenda (Pv. 18:6). A boca do insensato é a sua própria destruição, e os seus lábios um laço para a sua alma (Pv. 18:7). O insensato expõe toda a sua mente (Pv. 29:11).** Quanta vergonha sente um homem bom quando denigre seu testemunho falando insensatez! As Escrituras dizem: Qual a mosca morta faz o ungüento do perfumador exalar mau cheiro, assim é para a sabedoria e a honra um pouco de estultícia (Ec. 10:1).

SANTIDADE

Há também uma outra razão pela qual devemos olhar para trás com tristeza, para o nosso mau uso da língua e para vigiá-la, portanto, com mais cuidado no futuro. O tom da conversação do cristão dá-nos uma clara idéia do quão santificado é ele. “Pelas tuas palavras serás justificado e, pelas tuas palavras, serás condenado” (Mt. 12:37), disse Cristo. O sentido certamente deve ser o de que as palavras traem o verdadeiro caráter de todo homem. Elas revelam o verdadeiro estado do coração e nos proclamam dignos do céu ou do inferno. Mas, se as palavras revelam o estado do coração, não revelariam também o grau de santidade de um cristão?

Na conversação diária há uma grande diferença entre um cristão e outro. Todos os crentes falam a linguagem do céu, mas nem todos a falam consistente e fluentemente do mesmo modo. Se for exigida uma prova disso, precisamos somente fazer a experiência de visitar uma meia dúzia de lares de amigos e vizinhos cristãos. Todo crente sabe quão pouco proveito há em visitar as casas de certos crentes, e, por outro lado, quão proveitoso é visitar a casa de outros, e isso não é sempre, como alguém poderia pensar. Há pregadores cuja conversação à mesa é inaproveitável, assim como há também viúvas e órfãos cuja conversação é espiritual, santa e animadora. Aqui, algumas vezes, como em toda a parte, “os últimos serão primeiros, e os primeiros serão últimos”.

Deve ser culpa da nossa ignorância de Deus o permitirmos que algumas vezes as nossas línguas perambulem para cá e para lá em conversação frívola. Não foi o nosso próprio Salvador e Juiz que nos advertiu: “Digo-vos que toda palavra frívola que proferirem os homens, dela darão conta no dia de juízo” (Mt. 12:36)? De semelhante modo o apóstolo Paulo nos dá este sóbrio mandamento: “Não saia da vossa boca nenhuma palavra torpe; e sim unicamente a que for boa para a edificação, conforme a necessidade, e, assim, transmita graça aos que ouvem” (Ef. 4:29). Estas palavras colocam diante de nós um duplo dever: privar-nos do falar inútil e procurar edificar uns aos outros pela boa escolha da conversação que alimenta a alma.

Uma das razões pelas quais nós, como cristãos modernos, falamos tanto sobre tão pouco é porque somos bombardeados por todos os lados por conversa banal. O mundo do entretenimento, o qual tem em algum lugar um porta-voz na maioria das casas, tem muito o que responder por isso. Todos temos sidos ensinados como falar interminavelmente sobre nada. As assim chamadas “personalidades” de rádio e televisão freqüentemente são pouco mais que educadores de massas na arte da conversa fiada. Este é o modo do mundo e, num certo sentido, é o que dele se espera. Este mau exemplo é, entretanto, adotado pelos cristãos. Aprendemos a nos conformar a níveis mais fáceis e mais baixos. Em vez disso, devemos elevar o tom das nossas conversações diárias para algo mais consistente com a nossa vocação como filhos de Deus.

Quanto a isso quão perfeito é, como em tudo mais, o exemplo do nosso bendito Senhor Jesus Cristo! Deixe-se que um ateísta qualquer, que com isso se importe, venha com tesouras críticas cortar fora dos quatro evangelhos todas as palavras de Cristo que foram fúteis, leves e insignificantes. Logo descobrirá que é tarefa inútil. Para onde quer que nós olhemos nos evangelhos, nenhum sermão, frase, nem mesmo sílaba que aparece nos lábios de Jesus podem ser chamados de inúteis. Pelo contrário, que riqueza temos de doutrina pesada em seus lábios! Que enciclopédia teológica! Que compêndio de santo viver! Que “livro de citações”! Que antologia de ditos imortais, estórias, parábolas, profecias e (mesmo em nosso moderno mundo secular) expressões familiares! Se o caráter deve ser julgado pelas palavras de um homem, então temos aqui mais uma razão para cairmos prostrados aos pés deste Homem, que falou como nenhum outro nem antes nem depois. Pois Cristo ao falar supera a todos os que já falaram e faz a erudição de um Aristóteles empalidecer. Ele sobrepuja Homero e sobrepuja Shakespeare! Um sermão de Cristo torna supérflua a sabedoria das eras; e as breves palavras pronunciadas em particular carregam a mesma marca de espiritualidade divina.

Causa medo que nosso Salvador tenha tão poucos discípulos que se esforçam para copiá-Lo em Sua conversação de nível elevado. Entretanto, o quão grandemente tenhamos fracassado, devemos nos arrepender e cultivar uma maneira de falar que melhor reflita a santidade do nosso Mestre.

DIRETRIZES PRÁTICAS

Sugerimos as seguintes diretrizes como um meio de melhorar o tom da conversação cristã.

1. Quando o povo de Deus se encontra deveria sempre tentar conduzir os pensamentos uns dos outros para Deus. Admitindo que devemos indagar pelas famílias uns dos outros, saúde e circunstâncias, deveria ser nosso objetivo logo elevar nossa conversa para as coisas do Espírito. Podemos fazer isso ao cultivarmos o hábito de introduzir as Escrituras em nossa conversação como assunto corriqueiro. Se os herdeiros do céu não podem falar entre si sobre seu Salvador e a Sua Palavra, é certamente uma grande pena. Mas, como disse J. C. Ryle em algum lugar, há muitos crentes que “nada acrescentam ao conversar” (Gl. 2:6).

2. O povo de Deus deveria tentar cultivar o hábito de falar e pensar teologicamente. Em certas partes da Alta Escócia ainda permanece a excelente prática de cristãos que se reúnem regularmente nas casas com o objetivo de passarem duas ou três horas discutindo pontos da doutrina e da experiência cristã. Deseja-se que esta prática seja exportada para cada canto do mundo evangélico. No período de alguns anos os cristãos tornam-se, assim, familiarizados com todos os aspectos da verdade e desenvolvem o valioso dom de expressarem-se teologicamente. Normalmente um cristão maduro toma a frente e é proposta uma questão à discussão pelos membros do grupo. Podem ser perguntas típicas: “Antes de pecar Adão sabia que era uma pessoa pública?” “Quando Cristo disse: “está consumado”, o que estava consumado?” “O que é “liberdade” na oração?” Tal encontro de mentes afins leva ao enriquecimento da percepção de todo o grupo.

3. O púlpito deveria encorajar a prática da conversação espiritual entre os membros da congregação. O pregador pode fazer isso ao lançar uma ou duas perguntas para o povo meditar e discutir entre eles mesmos durante a semana, ou então alguma passagem das Escrituras para explicarem. R. M. M’Cheyne costumava fazer isso. Ele dava, do púlpito, um texto ou capítulo no qual se pensar. Os frutos de estudo e meditação do povo seriam então coligidos durante um encontro do grupo durante a semana, quando os erros poderiam ser corrigidos e discernimentos valiosos compartilhados.

4. Especialmente no Dia do Senhor, os cristãos deveriam se esforçar para gastar a maior parte do seu tempo livre meditando ou falando sobre assuntos espirituais. Se as censuras dos puritanos forem para ser levadas a sério, somos obrigados a crer que “desnecessários pensamentos, palavras ou obras acerca de nossas ocupações e recreações temporais” (Breve Catecismo 61) são proibidas pelo quarto mandamento.

Os grandes cristãos do passado esforçaram-se para fazer do Dia do Senhor um céu na terra e para permearem de Cristo, o tanto quanto possível, as suas conversações. Algumas vezes eles o faziam de um modo que estava longe de ser “pesado”. Por exemplo, quando o Arcebispo Ussher disse uma vez a um amigo: “uma palavra sobre Cristo antes de partirmos”. Calvino, mais energicamente, declara: “todo homem deve abster-se de tudo, menos da consideração por Deus e Sua obra (isto é, no Dia do Senhor), para que todos os homens possam ser motivados a servi-Lo e a honrá-Lo” (Sermão 93 sobre Deuteronômio 15).

Por outro lado, as mentes profundamente espirituais são particularmente agravadas pela conversação frívola e mundana no Dia de Deus. David Brainerd falando sobre aqueles que conversavam sobre assuntos seculares no Sábado, escreveu em seu diário: Oh, penso que inferno seria viver com tais homens na eternidade. Grande parte da devida santificação do Dia do Senhor consiste, mui especialmente, em restringir nossos pensamentos e palavras a assuntos divinos e espirituais e a omitir a conversação desnecessária sobre coisas cotidianas.

Para concluir, é necessário dizer que há uma bênção especial agregada à conversação piedosa e espiritual. Malaquias alude a isso na sua profecia: Então, os que temiam ao SENHOR falavam uns aos outros; o SENHOR atentava e ouvia; havia um memorial escrito diante dEle para os que temem ao SENHOR e para os que se lembram do Seu nome (Ml. 3:16). Que promessa! Se os cristãos hoje fossem sérios para praticar o modelo deste versículo, quanto mais gozaríamos da presença de Deus! Esforcemo-nos, portanto, para edificarmos uns aos outros. Aqueles que assim o fizerem descobrirão que até mesmo o próprio Todo-Poderoso dá ouvidos.


Por: Maurice Roberts

Fonte: Jornal Os Puritanos.

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