A Aparência do Pregador

Um bom cavalo não tem uma cor desagradável, e um pregador realmente bom pode vestir o que  mais  lhe  agradar,  pois  ninguém  vai  dar importância a isso, mas apesar de não conhecermos o vinho pelo barril, uma boa  aparência  é  uma  carta  de  recomendação,  mesmo  para  um  lavrador.  Os sábios não se apaixonam  nem  se  desiludem  à primeira  vista,  ainda  assim  a primeira  impressão  é  sempre  uma  coisa importante  mesmo  para  eles;  o  que dizer  então  em  relação  aos  menos  esclarecidos  para  quem,  por  não  serem sábios, uma boa aparência representa meio caminho andado.

O que é boa aparência? Bem, não é ser pomposo e engomado, ou se fazer de grande e poderoso entre as pessoas, porque o orgulho põe a perder os corações, ao passo que as palavras gentis os cativam. Não é tampouco usar roupas finas; porque roupa extravagante é a mesma coisa que uma casa suja por dentro e com a entrada sem a limpeza adequada. Esse tipo de roupa é considerado a melhor parte em uma boneca.  Quando um homem é vaidoso como um pavão, todo pomposo e exibido, ele precisa se converter antes de pregar para os outros. O pregador que mede a si mesmo pelo espelho, pode agradar algumas jovens tolas, mas  nem  Deus  nem  os  homens  se  mantêm muito  tempo  com  ele.  O  homem  que  deve  sua  grandeza  ao  seu  alfaiate descobre  que  essa  agulha  e  essa  linha  não  conseguem  manter  um  tolo  no púlpito  por  muito  tempo.  Um  cavalheiro  deve  ter  mais  em  seu  bolso  que sobre os ombros, e um ministro deve ter mais a mostrar em seu interior que em  sua  aparência  externa.  Se  pudesse,  eu  diria  para  os  jovens  pastores  não preguem de luvas, porque os gatos não caçam ratos com luvas de boxe, e que não  passem  muita  brilhantina  no  cabelo  como  fazem  os  vaidosos,  porque ninguém  se  preocupa  em  ouvir  a  voz  dos  pavões;  não  tenham  sempre  em mente  apenas  sua  bela  aparência,  ou  ninguém  mais se  preocupa  com  vocês.

Tirem  os  anéis  de  ouro,  as  correntes  e  as  jóias;  por  que  o  púlpito  deve  se transformar em uma vitrine de jóias? Excluam para sempre as sobrepelizes e as batinas e todas essas vestimentas exageradas, os homens devem afastar de si  as  coisas  infantis.  Uma  cruz  nas  costas  representa  o  sinal  do  diabo  no coração;  os  que  fazem  como  Roma  devem  ir  a  Roma  e  mostrar  suas credenciais de herdeiros. Se os padres supõem que conseguem o respeito dos homens honestos por causa da indumentária fina estão muito enganados, pois é  voz  corrente:  “O  hábito  não  faz  o  monge”,  e:  “O  macaco  não  se  parece tanto com um macaco como quando veste o manto papal”.

Entre nós reformistas, o pregador não reivindica poderes sacerdotais e, portanto  não  deve  jamais  usar  uma  vestimenta  especial.  Deixem  os  tolos usarem capuzes e hábitos tolos, pois os homens que não reivindicam a tolice não  devem  usar  roupas  desse  tipo.  Ninguém  a  não  ser  uma  ovelha  imbecil usaria  a  pele  de  um  lobo.  É  um  gosto  estranho  o  que  leva  os  homens  a ansiarem pelos farrapos de um ladrão. Além disso, qual é o lado bom desse aparato  espalhafatoso?  Nenhuma  criatura  poderia  parecer  mais  estúpida  que um pregador reformista com um capuz que não tem utilidade nenhuma para ele, com exceção de um pato que use tamancos. Eu morro de rir quando vejo nossos  doutores  com  toga  e  faixas,  esbaforidos  com  suas  roupas  de  seda, enfeitados com seus pequenos peitilhos, pois eles me lembram muito o nosso conhecido  peru  quando  fica  estufado  com  os  temperos  postos  em  seu interior. Com certeza, são muito tolas as pessoas que querem ver um homem vestido  como  mulher  em  vez  de  apreciar  seu  sermão;  e  aquele  que  não consegue pregar sem essa vestimenta espalhafatosa pode se achar um homem entre  simplórios,  mas  é  um  simplório  entre  homens.  Ao  mesmo  tempo,  o pregador  deve  se  esforçar,  de  acordo  com  seus  recursos,  para  vestir-se  de forma respeitável; e em relação à pureza, ele não deve ter máculas, pois os reis não devem ter homens de pés sujos junto de sua mesa; e aqueles que pregam as  coisas de  Deus  devem  praticar  o  asseio.  Eu  daria  preferência  às  gravatas brancas, se elas fossem sempre brancas, porque marrom de sujeira não cabe em  lugar  nenhum.  Podemos  nos  ver  livres  de  um  pároco  relaxado, enfumaçado, aspirador de rapé, bebedor de cerveja? Muitos dos que encontrei talvez  até  tivessem  muito  boas  maneiras,  mas  não  lhes  ocorria  terem  boas maneiras  consigo  mesmo  havia  muito  tempo.  Como  um  capitão  holandês deixa  as  âncoras  no  mar,  eles  deixaram  as  boas  maneiras  em  casa;  mas  esse jamais deve ser o argumento para tornar um pároco bem comportado em o ministro.  Um  paletó  surrado  não  significa  desonra,  mesmo  o  mais  simples deles pode estar bem apresentado, e os homens devem ser estudiosos, e não professores, até  alcançar  esse  patamar.  Não  se  pode  julgar  um  cavalo  pelo arreio; mas uma aparência modesta, distinta, em que a roupa é do tipo sobre a qual não se pode fazer comentário, parece-me ser o tipo certo de coisa.

Esse  pequeno  ponto  de  minha  reflexão  tem  o  objetivo  de  advertir vocês jovens que acabam de se iniciar no ministério; e se algum de vocês ficar bravo  por  causa  desses  comentários,  terei  de  lembrá-los  que  cavalos  com feridas no lombo não suportam ser escovados, e, de novo, “aqueles a quem a carapuça  servir,  vistam-se  de  João  Lavrador”,  vocês  dirão  que  teria  sido melhor  remendar  o  próprio  avental  e  deixar  o  pároco  em  paz,  mas  peço licença para cuidar de mim e falar o que me vem à mente, pois um gato pode mirar um rei, e um tolo pode dar bons conselhos ao homem sábio. Se eu falar com  muita  simplicidade,  por  favor,  lembrem-se  de  que  o  cão  velho  não consegue  mudar  sua  forma  de  latir,  e  aquele  que  por  muito  tempo  foi acostumado a arar em um sulco reto também é muito competente para falar com honestidade.

Fonte: Capítulo 3 do livro Sabedoria Bíblica:

Conselhos simples para pessoas simples,

C.H. Spurgeon, Shedd Pub.

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