“Pela graça sois salvos, mediante a fé” (Ef 2,8).
1. Todas as bênçãos que Deus tem dado ao homem provêm da sua mera graça, generosidade ou favor; favor totalmente imerecido: o homem não tem nenhum direito à menor misericórdia divina. Foi à graça livre que formou o homem do pó da terra e lhe soprou nas suas narinas o fôlego da vida e imprimiu na alma a imagem de Deus e “pôs tudo sob seus pés”. (Gn 2,7; Sl 8,6).
2. A mesma graça livre nos concede hoje vida, respiração e tudo mais, pois não há nada que somos ou temos ou fazemos que não provenha da mão de Deus. “Todas as nossas obras, tu, oh Deus as fazes por nós” (At. 17,25). Assim, elas são tantas outras manifestações de livre misericórdia, e toda justiça encontrada no homem, será também uma dádiva de Deus.
3. Então, como o pecador fará expiação pelo menor de seus pecados? Com suas próprias obras? Não ainda que estas sejam muitas ou sejam santas, não provêm dele, mas senão de Deus. Na verdade, todas são ímpias e pecaminosas, por si mesmas; portanto, todos carecem de uma nova expiação. Só frutos maus nascem de uma árvore corrupta. Como o coração do homem é totalmente corrupto e abominável, ele “carece da glória de Deus”, daquela gloriosa justiça primitiva expressa na sua alma, segundo a imagem de seu grande Criador. Assim, nada tendo, nem justiça nem obras para reivindicar, sua boca totalmente se cala perante Deus.
4. Se “os pecadores acharem graça diante de Deus, é graça sobre…” (Jô 1,16). Se Deus se digna ainda a derramar novas bênçãos sobre nós, sim, a maior de todas elas, a salvação; que podemos dizer a essas coisas senão “graças a Deus pelo seu Dom inefável”. E assim é. Nisto “Deus prova seu próprio amor para conosco pelo fato de ter Cristo morrido para nos salvar, sendo nós ainda pecadores”. “Pela graça, então, sois salvos, mediante a fé”. A graça é a fonte e a fé a condição da salvação.
Agora, pois para não estarmos privados da graça de Deus, convém inquirir cuidadosamente:
I – Qual é a fé mediante a qual somos salvos?
II – Qual é a salvação que é mediante a fé?
III – Como podemos responder a algumas objeções?
Qual é a fé mediante a qual somos salvos?
Primeiramente, não é a mera fé de um pagão. Deus exige que um pagão creia “que Deus existe e que se torna doador dos que diligentemente o buscam” e que ele deve ser buscado, glorificando e louvando a Deus por tudo e por uma consciente prática da virtude moral da justiça, misericórdia e verdade para com seus semelhantes.
1. O grego ou romano sim, um cita ou indiano não tinha desculpa se não acreditasse pelo menos nisto: a existência e os atributos de Deus, o estado futuro de recompensa ou punição, e a natureza obrigatória da verdade moral, pois essas coisas se constituem na crença de um pagão.
2. Nem é, em segundo lugar, a fé de um diabo, embora ela vá muito além da do pagão, Deus. Até aí vai a fé de um diabo.
3. Em terceiro lugar, a fé por meio de que somos salvos, no sentido que será explicado mais adiante, não é apenas aquela que os apóstolos tinham quando Cristo estava ainda no mundo. Embora crer a ponto de “deixar tudo e segui-lo” e quanto tivessem o poder de operar milagres, “a curar toda a espécie de doenças e enfermidades”, tinham “poder e autoridade sobre todos os demônios” e o que mais foram enviados pelo seu Mestre para “pregar o Reino de Deus”. No entanto, depois de realizadas todas essas proezas, o próprio Senhor deles os chama de “geração incrédula”. Ele lhes diz que “não podiam expelir um demônio por causa da sua incredulidade”. Mais tarde, supondo já terem uma medida da fé, eles lhe pediram: “aumenta a nossa fé”. No entanto, ele lhe diz claramente que não possuíam nada dessa fé, nem fé como a de um grão de mostarda. “Respondeu-lhes o Senhor: se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a esta amoreira: arranca-te e transplanta-te no amor e ela vós obedecerá”.
4. Qual é, então, a fé mediante a qual somos salvos? Podemos responder, primeiro, de modo geral, é a fé em Cristo; Cristo e Deus. Através de Cristo, são os seus próprios objetos. Nisso se distingue suficiente e absolutamente da fé de pagãos, quer antigos, quer modernos. Ela se distingue plenamente da fé de um diabo por não ser meramente especulativa e racional, um frio e morto assentimento, um elenco de idéias na cabeça; é, antes, uma disposição do coração, pois a Escritura declara: “Com o coração se crê para a justiça” e “se com a tua boca confessares a Jesus como Senhor e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos será salvo”.
5. Difere daquela fé que os próprios apóstolos tinham quando nosso Senhor estava no mundo e reconhece a necessidade e o mérito de sua morte e o poder de sua ressurreição. Reconhece sua morte como suficiente meio de redimir o ser humano da morte eterna, e sua ressurreição como à restauração de todos nós a vida e mortalidade e isto porque ele “foi entregue por causa das nossas transgressões e ressuscitou por causa da nossa justificação”.
A fé cristã não é, então, um assentimento a todo o Evangelho de Cristo, mas antes uma plena confiança no sangue de Cristo, uma confiança nos méritos de sua vida, morte e ressurreição, um descansar nele como nossa propiciação e nossa vida, como dado por nós e vivendo em nós. É uma segura confiança que alguém tem em Deus e que, através dos méritos de Cristo, seus pecados estão perdoados, e ele está reconciliado ao favor de Deus e, como conseqüência, uma aproximação dele e um apego a ele, como nossa “sabedoria, justiça, santificação redenção” ou, numa palavra, nossa salvação.
O segundo ponto a ser considerado é: qual é a salvação que é mediante a fé?
Primeiramente, qualquer coisa mais que lhe esteja implícito, trata-se de uma salvação presente. É algo atingível, sim, na terra por aqueles que participam dessa fé. Assim, o apóstolo fala aos crentes de Éfeso, e por eles aos crentes de todos os tempos: “sereis (embora isso também seja verdadeiro), mas ele diz, “sois salvos mediante a f锓.
Sois salvos (para abarcar tudo numa só palavra) do pecado. Esta é a salvação mediante a fé: e aquela grande salvação predita pelo anjo, antes de Deus trazer ao mundo seu primogênito: “Tu o chamarás com o nome de Jesus, pois ele salvará o seu povo dos seus pecados”. Nem aqui, nem em outra parte do Escrito Sagrado, aparece qualquer limitação ou restrição. Todo o seu povo, ou como se diz em outros lugares, “todos o que nele crêem”, ele salvará de todos os seus pecados, do pecado original e atual, do pecado passado e presente, da carne e do espírito. Mediante a fé nele, são salvos tanto da culpa quanto do poder do pecado.
Primeiro da culpa de todo o pecado passado. Consideramos que “todo o mundo está culpado perante Deus”, ao ponto que, se ele fosse “observar todas as iniqüidades, ninguém subsistiria”. Consideramos que “pela lei vem somente o conhecimento do pecado”, nenhuma libertação advém dela, de forma que “ninguém será justificado diante dele por cumprir as obras da lei, mas agora, se manifestou a justiça de Deus, mediante a fé em Jesus Cristo”.
Agora, “são justificados gratuitamente por sua graça, mediante a redenção que há em Jesus Cristo, a quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação para manifestar a sua justiça pela remissão dos pecados anteriormente cometidos”. Agora, Cristo tirou “a maldição da lei, fazendo-se ele próprio, maldição em nosso lugar”. Ele tem “cancelado o escrito de dívidas que era contra nós, removendo-o inteiramente, encravando-o na cruz”. Agora, pois já nenhuma condenação há para os que crêem em Cristo Jesus.
E, salvos da culpa, são salvos do medo. Na verdade, não do temor filial de ofender (a Deus), mas de todo o medo servil, daquele “medo que produz tormento”, do medo da punição, do medo da ira de Deus, que eles não mais encaram como um Senhor severo, mas como Pai benigno. “Não receberam o espírito da escravidão, mas o espírito da adoção, baseado no qual clamam: Aba Pai. O próprio espírito testifica com o seu espírito, que são filhos de Deus”. São salvos do medo, embora não da possibilidade de caírem da graça de Deus e de não alcançarem as grandes e preciosas promessas; são “selados com o Santo Espírito da promessa, o qual é o penhor da sua herança”. Assim, “têm paz com Deus por meio de nosso senhor Jesus Cristo. Regozijam-se na esperança da glória de Deus. E o amor de Deus é derramado no seu coração pelo Espírito Santo que lhes foi outorgado”. Por isso, são “persuadidos” (embora talvez não sempre, nem com a mesma plenitude de persuasão) de que “nem morte, nem vida, nem coisas do presente, nem do porvir, nem altura, nem profundidade, nem qualquer outra criatura os poderá separar do amor de Deus que está em Cristo Jesus, nosso senhor”.
Ainda mais: mediante essa fé, são salvos do poder do pecado, bem como da culpa dele. Assim, o apóstolo declara: “Sabeis que ele se manifestou para tirar os pecados e nele não existe pecado. Todo aquele que permanece nele não peca”. Também, “filhinhos, não vos deixeis enganar por ninguém. Aquele que pratica o pecado procede do diabo”. “Todo aquele que crê é nascido de Deus” e “todo aquele que é nascido de Deus não peca, pois o que permanece nele é a divina semente; ora esse não pode pecar, porque é nascido de Deus”. Também: “nós sabemos que todo o que nasceu de Deus não peca; o que foi gerado por Deus o guarda e o maligno não o pode atingir”.
Aquele que, pela fé, nasce de Deus, não peca, (1) por qualquer pecado habitual, pois todo o pecado habitual é pecado dominante, mas o pecado não pode dominar a qualquer um que creia; nem (2) por pecado intencional, pois sua vontade, enquanto ele permanece na fé, está absolutamente contrária a todo pecado e o odeia como veneno mortal; nem (3) por qualquer desejo pecaminoso, porque ele deseja continuamente a santa e perfeita vontade de Deus; portanto, qualquer tendência a um desejo impuro a ele sufoca pela graça de Deus; também (4) ele não peca por fraquezas, quer em ato, palavra ou pensamento, pois suas fraquezas não são apoiadas por sua vontade; e, sem isso, não são, propriamente, pecados. Assim, “todo aquele que nasceu de Deus não peca” e, embora não possa dizer que não tenha pecado, “ele não peca”.
Essa é, então, a salvação pela fé, mesmo no mundo presente: salvação do pecado e das suas conseqüências, ambas comumente implícitas na palavra justificação. Isto, tomado no seu sentido mais largo, implica em libertação da culpa e da punição, pela expiação, de Cristo, efetivamente aplicada à alma do pecador que agora crê nele, e em uma libertação de todo o corpo do pecado, por meio de Cristo formado em seu coração. De sorte que aquele assim justificado, ou salvo pela fé, realmente é nascido de novo. Nasceu novamente do Espírito para uma vida nova que “Ele é a nova criatura: as coisas velhas já passaram; eis que fizeram novas”. Como um recém nascido, alegremente recebe o genuíno leite racional da palavra, cresce por meio dele e prossegue no poder do Senhor, seu Deus, de fé em fé, de graça em graça, até chegar, afinal, “à perfeita varonilidade, à moda da estatura da plenitude de Cristo”.
A primeira objeção dada a isso é:
Pregar salvação ou justificação só pela fé é pregar contra a santidade e as boas obras. Podemos dar uma breve resposta: seria certo se nós falássemos, como fazem alguns, de fé separada. Nós, porém, não falamos de uma fé, mas de uma fé que necessariamente produz todas as obras e toda a santidade.
Pode ser útil, porém, examinar essa objeção mais a fundo, especialmente, por não ser nova, mas antes, tão velha como a época de São Paulo, pois, então, perguntou-se: “Anulamos a lei pela fé?”. Respondemos, primeiramente, que todos os que não pregam fé anulam a lei. Fazem-no direta e grosseiramente, por limitações e comentários que corroem todo o espírito do texto, ou indiretamente, por não apontar o único meio pelo qual é possível cumprir a lei. Em segundo lugar, confirmamos a lei, tanto por mostrar a sua plena extensão e sentido espiritual, quanto por chamar a todos para aquele caminho da vida, “a fim de que a justiça da lei seja cumprida neles”. Estes, enquanto confiam somente no sangue de Cristo, usam todas as ordenanças que se estabeleceu; praticam todas as ”boas obras que ele de antemão preparou para que andássemos nelas” e gozam e manifestam todos os sentimentos santos e celestiais, ou seja, o “sentimento que houve em Cristo Jesus”.
Contudo, a pregação da fé não conduz as pessoas ao orgulho? Respondemos que, acidentalmente, isso pode acontecer. Todo o crente deve ser seriamente advertido pelas palavras do grande apóstolo Paulo: “por causa da sua incredulidade, os primeiros ramos foram quebrados, tu, mas mediante a fé, estás firme. Não te ensoberbas, mas teme. Porque se Deus não poupou os ramos naturais, também não te pouparás. Considerai a bondade e a severidade de Deus! Para os que caíram, a severidade, mas para contigo, a bondade de Deus se nele permaneceres; de outra sorte também tu serás cortado”. Enquanto ela permanece na fé, lembrará as palavras de São Paulo, provendo a resposta a essa própria objeção: “Onde, pois, a jactância? Foi de toda excluída. Por que lei? Das obras? Não, pelo contrário, pela lei da fé”. Se o homem fosse justificado pelas suas obras, ele teria algo de se gloriar, mas não há glória para aquele “que não trabalha”, porém crê naquele que justifica ao ímpio. As palavras que procedem e seguem ao texto tendem na mesma direção: “Mas Deus, sendo rico em misericórdia, mesmo estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo (pela graça sois salvos) para mostrar a suprema riqueza da sua graça, em bondade para conosco, em Cristo Jesus. Porque pela graça sois salvos, mediante a fé, e isso não vem de vós, é Dom de Deus”. De vocês mesmos não vêm nem a sua fé e nem sua salvação: “É Dom de Deus”, é livre e imerecida dádiva, a fé mediante a qual são salvos, bem como a salvação, que ele, da sua própria vontade, por mero favor, acrescenta a ela. O fato de vocês crerem é um exemplo de sua graça; que tendo crido são salvos, é outro. “Não de obras para que ninguém se glorie”, porque todas as nossas obras, toda a nossa justiça, que existiam antes de crermos, não mereciam nada de Deus senão a condenação; tão longe estavam de merecer a fé, que, portanto, quando dada, não procede “das obras”. A salvação não vem das obras que fazemos quando cremos, pois é “Deus quem opera em nós”. E, portanto, o fato de ele nos dar galardão pelo que ele próprio opera só exalta a riqueza da sua misericórdia e não deixa a nós coisa alguma de que possamos gloriar.
No entanto, o falar assim da misericórdia de Deus, salvando ou justificando livremente só pela fé, não encoraja pessoas a pecarem? Sem dúvida, pode fazer isso e o fará: muitos “permanecerão no pecado para que abunde a graça”, mas seu sangue estará sobre sua própria cabeça. A bondade de Deus deveria conduzi-lo ao arrependimento e assim conduzirá os sinceros de coração. Sabendo que ainda existe com ele perdão, clamarão para que ele apague também seus pecados e pela fé em Jesus. E, se sinceramente clamam e nunca esmorecem; se o procurarem em todos os meios que ele apontou, se recusarem a serem confortados até que ele venha, “ele virá e não tardará”. E ele poderá fazer muito trabalho em curto espaço de tempo.
Muitos são os exemplos no livro de Atos dos Apóstolos em que Deus produz essa fé nos corações humanos tão rapidamente como um relâmpago que cai do céu. Assim, na mesma hora que Paulo e Silas começaram a pregar, o carcereiro se arrependeu, creu e foi batizado. Como também os foram os três mil, por São Pedro, no dia de Pentecostes. Todos os quais tendo se arrependido e crido à sua pregação. Graças a Deus, hoje ainda existem muitas provas vivas que Deus ainda é “poderoso para salvar”.
A mesma verdade sobre uma outra ótica, uma objeção contrária é levantada: “Se alguém não pode ser salvo por todos os seus atos, isso o levará ao desespero”. É verdade, isso o levará ao desespero de ser salvo pelas próprias obras, méritos ou justiça. E deve fazê-lo, pois ninguém poderá confiar nos méritos de Cristo, sem que totalmente renuncie os seus próprios. Aquele que “procura estabelecer a sua própria justiça” não pode receber a justiça de Deus. A justiça que é pela fé não lhe pode ser dada enquanto confiar na justiça que vem da lei.
Essa, dizem, é uma doutrina desoladora. O diabo falou consigo mesmo, isto é, sem verdade nem vergonha, quando ousou sugerir aos homens que assim é. Essa é a única doutrina que conforta, são “cheias de conforto” para todos os pecadores autodestruídos e autocondenados.
“Aquele que nele crê não será confundido” e “o mesmo Senhor de todos é rico para com todos os que o invocam”. Eis aí o conforto alto como os céus, mais forte que a morte! Como? Misericórdia para com todos? Para Zaqueu, um ladrão notório? Para Maria Madalena, uma meretriz? Parece-me que ouço alguém dizendo: “Nesse caso, eu, mesmo eu, posso esperar misericórdia!” E você pode mesmo, aflito, a quem ninguém confortou. Deus não rejeitará sua oração. Pelo contrário, já na próxima hora, pode ser que ele diga: “Tenha bom ânimo. Estão perdoados os teus pecados”. Perdoados de tal forma que nunca mais o dominarão. E “o Espírito Santo testificará com o seu espírito que você é filho de Deus”. Boa nova! Boa nova de grande alegria enviada a todo o povo! “Todos vós que tendes sede, vinde às águas, vinde e comprai, sem dinheiro e sem preço”. Não importa de que natureza sejam seus pecados, “embora vermelhos como carmesim”, ainda que sejam “mais que os seus cabelos”, “volte-se para o Senhor que se compadecerá de ti e ao nosso Deus porque é rico em perdoar”.
Quando nenhuma objeção ocorre, então, simplesmente nos dizem que a salvação pela fé não deveria ser pregada como primeira doutrina, ou, pelo menos, não deve ser pregada a todo o mundo. Mas o que diz o Espírito Santo? “Ninguém poderá lançar outro fundamento, além do que foi posto, o qual é Jesus Cristo”. Portanto, o fato que “todo aquele que nele crê será salvo” é, e deve ser, o fundamento de toda nossa pregação. Deverá que ser pregado primeiro. “Está bem, mas não a todos”. A quem, então, não devemos pregar essa doutrina? Aos pobres? Não, pois eles têm um peculiar direito de ter o evangelho pregado a eles. Aos iletrados? Não. Deus revelou essas coisas aos iletrados e ignorantes desde o começo. Aos jovens? De forma alguma. Deixem que estes, de qualquer modo, venham a Cristo e não os impeçam. Aos pecadores? Aos pecadores muito menos. Ele não veio chamar justos e, sim, pecadores ao arrependimento.
Então, se vamos excluir alguns, os ricos, os letrados, os de boa fama e os homens de integridade moral. É verdade que estes, freqüentemente demais, excluem a si de ouvir. Ainda assim, devemos falar as palavras de nosso Senhor, porque assim é o propósito da nossa comissão: “ide e pregai o evangelho a toda a criatura”. Se qualquer um torcer o evangelho ou qualquer parte dela para sua própria destruição, terá de “levar o seu próprio fardo”. “Tão certo como vive o Senhor. O que o Senhor nos disser, disso falaremos”.
Agora, especialmente, falaremos que “pela graça sois salvos, mediante a fé”, porque a afirmação dessa doutrina nunca foi mais oportuna que no presente. Nada pode efetivamente evitar o aumento do engano romanista entre nós. Atacar, um a um, todos os erros daquela Igreja não terá fim. Mas a salvação pela fé corta pela raiz, e todos eles caem de uma vez onde ela é estabelecida. Foi essa doutrina que nossa Igreja corretamente chamou de rocha forte e fundamento da religião cristã que primeiro expulsou o papismo desses reinos e só ela pode mantê-lo fora. Só isso pode controlar aquela imoralidade que inundou a terra como uma enchente. Você pode esvaziar o grande mar, gota a gota? Você pode, então, reformar por advertência contra vícios particulares. Venha, porém, “a justiça de Deus mediante a fé” e assim suas ondas orgulhosas serão detidas. Só isso pode silenciar aqueles “que se gloriam na sua infâmia” e “renegam abertamente o Senhor que os resgatou”. Podem falar tão sublimemente da lei, como aquele que a tem escrita por Deus no coração. Ouvir-lhes falar desse assunto poderia inclinar alguém a pensar que não estão longe do Reino de Deus. Contudo, tire-os da lei para o evangelho; comece com a justiça da fé, com Cristo “o fim da lei de todo o que crê”, e aqueles que momentos antes pareciam ser quase, se não inteiramente cristãos, são revelados como filhos da perdição, tão distantes da vida e da salvação (que Deus tenha misericórdia deles) como o abismo do inferno das alturas do céu.
Por esta razão, o adversário se enfurece quando a “salvação pela fé” é declarada ao mundo: ele agitou a terra e o inferno para destruir aqueles que primeiro a pregaram. E pela mesma razão, sabendo que só a fé poderia derrubar os fundamentos do seu reino, ele chamou todas as suas forças e empregou todas as suas artes de mentira e calúnia para afugentar aquele campeão do Senhor dos Exércitos, Martinho Lutero, de reavivá-la. Nem devemos nos maravilhar disso, porque, como observa aquele homem de Deus, “como haveria de irar um homem orgulhoso, forte e bem armado a ser parado e anulado por uma pequena criança que o enfrenta com um caniço na mão?” Sabe-se que aquela criancinha certamente iria derrubá-lo e calcá-lo aos pés. Assim, mesmo, Senhor Jesus! Assim o seu poder sempre “se aperfeiçoa na fraqueza!” Prossiga, então, criancinha que crê nele, e “sua destra te ensinará proezas”. Embora seja dependente e fraco como um recém nascido, o homem forte não lhe poderá resistir. Você vai prevalecer sobre ele, subjugá-lo e derrubá-lo e calcá-lo aos pés. Marcharás, sob o grande capitão da sua salvação, “vencendo e para vencer”, até que sejam destruídos todos seus inimigos e “a morte seja tragada pela vitória”.
Agora, graças a Deus que nos dá a vitória por intermédio de nosso Senhor Jesus Cristo a quem o Pai e o Espírito Santo, seja benção, a glória, a sabedoria, as ações de graça, a honra, o poder e a força para sempre. Amém.