“Submetam-se, pois, a Deus.” – Tiago 4:7.
O tema desta mensagem é: O QUE CONSTITUI A VERDADEIRA SUBMISSÃO”
Porém, antes de entrar na discussão do tema quero fazer dois comentários, introdutórios à questão principal.
1. Se algum dos crentes ouvintes está enganado com respeito a suas esperanças, e pôs uma base falsa às mesmas, o erro fundamental em seu caso é que abraçou o que cria que era o plano de salvação do evangelho por motivos egoístas. Teu coração egoísta não estava quebrantado. Esta é a causa do engano, se o estás. Se teu egoísmo não foi submetido você está enganado em tua esperança. Se você está, tua religião é em vão e em vão a tua esperança.
2. O outro comentário é que se alguém está enganado e tem uma falsa esperança está no máximo perigo de reavivar sua antiga esperança sempre que volta a despertar-se para considerar sua condição. É algo muito comum para estes que , depois de um período de ansiedade e autoexame, descansam de novo sobre o antigo fundamento. A razão é que seus hábitos de mente se fixam nesta causa e, por tanto, pela leis mentais, é difícil começar um novo curso. É indispensável, por tanto, se há de começar bem, que vejas claramente que até agora tem estado equivocado, de modo que não multipliques a classe de esforço que tem te enganado até agora.
Quem não sabe que há muitos debaixo deste engano? Quão freqüente jaz uma grande parte da igreja fria e morta, até que começa um avivamento? Então os vemos agitados, e se acham ocupados no que chamam de religião, e renovam seus esforços e multiplicam suas orações durante uma temporada; e isto é o que chamam ser avivados. Mas isto é a mesma classe de religião que tinham antes. Esta religião não dura mais que o entusiasmo público. Tão pronto como o corpo da igreja começa a diminuir seus esforços para a conversão de pecadores, estes indivíduos recaem em sua anterior mundanalidade, e chegam pronto ao que eram antes de sua suposta conversão, na medida que o seu orgulho e o temor das censuras da igreja os permitam. Quando volta o avivamento renovam o ciclo; de modo que vivem em espasmos, uma e outra vez, reavivados e voltando atrás, alternativamente, toda sua vida. A verdade é que já estavam enganado desde o princípio, por uma conversão espúria, na qual o egoísmo não foi nunca quebrado; e quanto mais multiplicam esta classe de esforços, mais seguro é que vão ser perdidos.
Vou entrar agora diretamente na discussão do tema e a esforçar-me para mostrar o que é a verdadeira submissão do evangelho, na seguinte ordem:
I. Mostrarei o que não é a verdadeira submissão.
II. Mostrarei o que é a verdadeira submissão.
I. Vou demostrar o que não é a verdadeira submissão.
1. A verdadeira submissão não é indiferença. Não há dois coisas mais diferentes que a indiferença e a submissão.
2. Não consiste em estar disposto a pecar, se for necessário, para a glória de Deus. Alguns supõem que a verdadeira submissão inclui a idéia de estar disposto a pecar para a glória de Deus. Mas isto é uma equivocação. O estar disposto a cometer pecado é um estado mental. E o estar disposto a fazer o que seja para a glória de Deus é escolher não pecar. A idéia de pecar para a glória de Deus é absurda.
3. Não consiste em estar disposto a ser castigado.
Se estivéssemos no inferno, a verdadeira submissão requereria o estar disposto a ser castigado. Porque então estaríamos seguros de que era a vontade de Deus que fossemos castigados. Portanto, se estivéssemos em um mundo em que não tivesse provisão para a redenção dos pecadores, e por isso, nele, o castigo fosse inevitável, seria nosso dever o estar dispostos a ser castigados. Se um homem cometeu um assassinato, e não há outra maneira de garantir o bem público a menos que seja enforcado, é seu dever estar disposto a que enforquem-no para o bem público. Mas se tivesse outra maneira em que o assassino pudesse ficar vivo e restaurar o bem público, não seria seu dever o estar disposto que enforquem-no. De modo que se estivéssemos num mundo somente debaixo da lei, onde não houvesse plano para a salvação, e não houvesse maneira de garantir a estabilidade de seu governo com o perdão dos pecadores, seria o dever de todo homem o estar disposto a ser castigado. Mas tal como o mundo é, a verdadeira submissão não implica o estar disposto a ser castigado. Porque sabemos que não é a vontade de Deus que todos sejam castigados, senão ao contrário, sabemos que sua vontade é que todos se arrependam e se submetam a Deus e sejam salvos.
II. Vou mostrar o que é a submissão autêntica.
1. Consiste no perfeito consentimento e aceitação em todos os tratos e dispensações providenciais de Deus; tanto se referirem a nós, aos outros, ou ao universo. Algumas pessoas dizem que consentem e aceitam, de modo abstrato, o governo providencial de Deus. Mas se entrássemos em conversação com eles se pode ver que acham faltas nos presentes que Deus fez muitas coisas. Se perguntam porque permitiu Deus que Adão pecasse. Ou porque permitiu que o pecado entrasse no mundo em absoluto. Ou porque fez isto ou aquilo. Em todos os casos, supondo que não pudéssemos indicar nenhuma razão que fosse totalmente satisfatória, a verdadeira submissão implica uma perfeita aquiescência em tudo o que Ele permitiu ou fez; e sentindo isto, pelo que afeta a sua providência, tudo está bem.
A verdadeira submissão implica a aquiescência ao preceito da lei moral de Deus. O preceito geral da lei moral de Deus é: Amarás ao Senhor teu Deus, de todo teu coração, e de toda tua alma, e de toda tua força, e amarás a teu próximo como a ti mesmo.” Talvez alguns digam: Eu estou de acordo com este preceito e encontro que é reto, e não tenho nenhuma objeção a esta lei.” Aqui quero fazer cuidadosamente uma distinção entre uma aprovação constitucional ou natural da lei de Deus e a verdadeira submissão à mesma. Não há mente que de modo natural, pelo sentido comum do bom, não aprove esta lei. Não há nenhum demônio no inferno que não a aprove. Deus constituiu a mente de tal forma que é impossível ser um ente moral sem aprovar esta lei. Mas não é esta a aquiescência da que estou falando. Uma pessoa pode sentir esta aprovação em tão alto grau que inclusive se deleite nela, sem haver-se submetido verdadeiramente à mesma. Tem duas idéias incluídas na verdadeira submissão, sobre as quais desejo chamar vossa atenção.
(1) A primeira é que a verdadeira aquiescência à lei moral de Deus inclui a obediência real. É em vão que uma criança diga que está conforme com os mandatos de seu pai, a menos que os obedeça realmente. É em vão que um cidadão diga que está de acordo com as leis de seu país, a menos que as obedeça.
(2) A idéia principal da submissão é ceder no que constitui o grande ponto de controvérsia. E se trata disto: que os homens se apartaram em seu supremo afeto de Deus e de seu reino, e estabeleceram seu interesse próprio como objeto de consideração equivalente. Em vez de prestar-se para fazer o bem, como Deus requer, adotaram a máxima de que a caridade bem entendida começa consigo mesmo”. Este é o verdadeiro ponto em debate entre Deus e o pecador. O pecador procura fomentar seu próprio interesse como seu objetivo supremo. Agora bem, a primeira idéia implicada na submissão é o ceder neste ponto. Temos que deixar de pôr nossos próprios interesses como supremos e deixar que os interesses de Deus e de seu reino se levantem em nosso afeto tão acima de nossos interesses como o verdadeiro valor daquele é superior a estes. O homem que não faz isto se rebela contra Deus.
Suponhamos a um chefe de estado que se propõe ao interesse geral e a felicidade da nação, e promulga leis sabiamente adaptadas para este fim, e empreende este objetivo com todos seus recursos, e que logo requer que todos seus súditos façam o mesmo. Logo suponhamos um indivíduo que estabelece seus interesses privados em oposição ao interesse geral. É um rebelde contra o governo e contra todos os interesses que o governo trata de fomentar. Logo, a primeira idéia de submissão, pelo que afeta ao rebelde, é ceder neste ponto e seguir com o chefe e seus súditos obedientes em fomentar o bem público. Agora bem, a lei de Deus requer de modo absoluto que subordinemos nossa felicidade própria à glória de Deus e o bem do universo. Enquanto não fazemos isto, somos inimigos de Deus e do universo, e filhos do inferno.
E o evangelho requer o mesmo que a lei. É surpreendente quantos mantiveram que é reto que o homem procure diretamente sua própria salvação e faça de sua própria felicidade o grande objeto de sua atividade. Mas é evidente que a lei de Deus é diferente nisto, e que requer que cada um ponha os interesses de Deus em lugar supremo. E o evangelho requer o mesmo que a lei. De outro modo, Jesus Cristo seria ministro do pecado, e haveria vindo ao mundo levantar as armas contra o governo de Deus.
É fácil mostrar com a Bíblia que o evangelho requer uma benevolência desinteressada, o amor a Deus e amor ao homem, o mesmo que a lei. A primeira passagem que vou a citar é: Buscai primeiramente o reino de Deus e sua justiça.” O que significa isto? É estranho que recentemente haja sido citado este texto para demostrar que é reto buscar primeiro a própria salvação ou nossa felicidade, e fazer dela o objeto primário de nossos objetivos. Mas este não é o significado. Requer que cada um procure fazer da prosperidade do reino de Deus seu primeiro objetivo. Eu entendo que indica o dever de procurar a santidade e não nossa própria felicidade. A felicidade está relacionada com a santidade, mas não é a mesma coisa, senão que o buscar a santidade ou obediência a Deus e o honrá-lo e glorificá-lo é muito diferente de buscar de modo supremo nossa própria felicidade.
Outra passagem é: Quer comeis ou bebeis, ou façais o que seja, faça-o tudo para a glória de Deus.” Sem dúvida! O que? Não podemos nem ainda comer ou beber para nosso prazer? Não. Temos que satisfazer nossos apetites naturais para a comida, mas subordinando-o à glória de Deus. Isto é o que requer o evangelho, pois o apostolo o escreveu à igreja cristã.
Outra passagem é: Não atente cada um somente para o que é seu, mas cada qual também para o que é dos outros.” Mas é em vão eu tentar citar todas as passagens que ensinam isto. Pode ver-se em quase todas as páginas da Bíblia alguma passagem que significa o mesmo, que nos requer que olhemos antes não nosso próprio bem, senão o benefício dos outros.
E de novo: Em verdade vos digo que ninguém há, que tenha deixado casa, ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou mulher, ou filhos, ou campos, por amor de mim e do evangelho, que não receba cem vezes tanto, já no presente, em casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e campos, com perseguições, e no mundo por vir a vida eterna.” Aqui alguns tropeçam e dizem: Aqui tem uma recompensa apresentada como motivo. Mas cuidado! O que você vai fazer, abandoná-lo tudo por amor à recompensa? Não; se trata de abandoná-lo por amor a Cristo e ao evangelho; e a conseqüência será como se disse. Esta é uma distinção importante.
No capítulo 13 de Coríntios, Paulo da uma descrição plena do amor desinteressado, sem ele não se é nada em religião. É notável o que diz, quanto pode fazer uma pessoa e, com tudo, se não há amor, não ser nada. Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa, ou como o sino que tine. Ainda que eu tivesse o Dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que eu tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria. E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para o sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria.” Então, a verdadeira benevolência do evangelho tem estas características: O amor é paciente, é benigno. O amor não inveja, não se vangloria, não se ensoberbece. Não se porta inconvenientemente, não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não suspeita mal. O amor não se alegra com a injustiça, mas se regozija com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.” Notemos isto bem. Não tem o egoísmo como fim, senão que busca a felicidade dos outros como seu grande objetivo. Sem esta classe de benevolência, sabemos que não se tem uma partícula de religião.
Antes de seguir adiante desejo mencionar várias objeções a este ponto de vista que podem aparecer na mente de vocês. O faço de modo especial porque alguns podem tropeçar aqui e, depois de tudo, chegar a idéia de que é reto fazer que nossa religião consista em procurar nossa própria salvação como o grande objetivo.
Objeção 1. Por que se dão as ameaças da Palavra de Deus, se obram o egoísmo influenciado pelo temor da ira que virá?”
Pode-se dar muitas respostas a esta objeção.
Resposta. O homem está constituído de forma que pelas leis de seu ser teme a dor. As ameaças das Escrituras, portanto, respondem a vários propósitos. Um deles é captar a atenção da mente egoísta para que examine as razões que tem para amar e obedecer a Deus. Quando o Espírito Santo obtém nossa atenção, então desperta a consciência do pecador e, o faz considerar e decidir sobre as razões e o dever de submeter-se a Deus.
Objeção 2. Havendo-nos dado Deus esta capacidade para sentir o prazer e a dor, está mal ser influenciados por eles?”
Resposta. Não está bem nem mal. Esta sensibilidade não tem caráter moral. Se tivesse tempo esta noite o consideraria em detalhe. Na moral há uma classe a ações que caem baixo a denominação de considerações prudenciais. Por exemplo: Suponhamos que estou à beira de um precipício, onde caso alguém se lance quebrará a cabeça. Se me advertem. Agora bem, se não considero o aviso e me lanço e destruo a minha vida, isto será um pecado. Mas o fazer caso do aviso, simplesmente, não é uma virtude. Não há virtude em evitar um perigo, ainda que muitas vezes é pecaminoso não evitá-lo. É pecaminoso que o homem desafie a ira de Deus. Mas o temer o inferno não é santo, como não é o temor de quebrar a cabeça se cair no precipício. É simplesmente um ditado da própria constituição natural.
Objeção 3. Não nos diz a Bíblia que é nosso imediato dever o buscar nossa própria felicidade?”
Resposta. Não é pecaminoso buscar nossa própria felicidade segundo seu valor real. Ao contrário, é um dever real o fazê-lo. E quem o descuida comete pecado. Outra resposta é que ainda que é reto o buscar a própria felicidade, e as leis da mente requerem que tenhamos em conta nossa própria felicidade, com tudo, nossa constituição mental não indica que o procurar nossa felicidade como o bem supremo seja reto. Suponhamos que alguém dissesse que devido a nossa constituição mental não indicasse que o procurar nossa felicidade como o bem supremo seja reto. Suponhamos que alguém dissesse que devido a nossa constituição requiséssemos alimento, por tanto, é reto buscá-lo como o bem supremo, Estaria isto bem? De modo algum; pois a Bíblia proíbe de modo expresso uma coisa semelhante e diz: Quer comeis ou bebeis, ou façais o que seja, faça-o tudo para a glória de Deus.”
Objeção 4. A felicidade de cada um está posta principalmente em seu poder; e se cada um buscasse sua própria felicidade, a felicidade de todos ficaria assegurada ao máximo que isto é possível.”
Esta objeção é preciosa. Nego a conclusão em conjunto porque:
(1) As leis da mente são tais que é impossível que alguém seja feliz quando faz de sua própria felicidade o supremo objetivo. A felicidade consiste na satisfação dos desejos virtuosos. Mas para serem satisfeitos, a coisa obtida dever ser a desejada. Para ser feliz, portanto, os desejos que deverão ser satisfeitos devem ser retos, e portanto, devem ser desejos desinteressados. Se teus desejos terminam em você mesmo; por exemplo, se desejas a conversão de pecadores com o objetivo de aumentar tua própria felicidade, quando os pecadores são convertidos isto não te faz feliz, porque isto não é o desejo terminado. A lei da mente, pois, faz que seja impossível, se cada indivíduo persegue sua própria felicidade, que ele a obtenha. Para ser mais definido. Duas coisas são indispensáveis para a verdadeira felicidade. Primeiro, deve haver desejos virtuosos. Se o desejo não é virtuoso, a consciência protestará contra ele, e portanto, a satisfação dará lugar à dor. Segundo, este desejo deve ser satisfeito ao conseguir seu objeto. O objeto deve ser desejado por si mesmo, do contrário a satisfação não seria completa, ainda que se obtivesse o objeto. Se o objeto desejado é um meio para um fim, a satisfação dependerá de obter o fim por este meio. Mas se a coisa foi desejada como fim, ou por si mesma, sua obtenção produzirá satisfação sem mescla. A mente deve, deseja, pois não sua própria felicidade, porque por este caminho não pode ser nunca alcançada, senão que o desejo deve terminar em algum outro objeto que seja desejado por si mesmo, a conseqüência da qual seria a satisfação, e isto resultaria na felicidade.
(2) Se cada um perseguisse sua própria felicidade como seu bem supremo, os interesses dos distintos indivíduos entrariam em conflito e se destruiria a felicidade de todos. Isto é o que se vê em todas as partes. Esta é a razão de todas as fraudes, violência, opressão e maldade na terra e no inferno. É porque cada um persegue seu próprio interesse que os interesses de um chocam com os de outro. O verdadeiro modo de assegurar nossa própria felicidade não é persegui-la como um fim, senão perseguir outro objeto, que quando é obtido, possa proporcionar-nos completa satisfação: a glória de Deus e o bem do universo. A questão não é se é reto desejar e perseguir nossa felicidade, senão se é reto fazer de nossa felicidade nosso objetivo supremo.
Objeção 5. A felicidade consiste na satisfação dos desejos virtuosos. Então a coisa a que me dirijo é satisfazer o desejo virtuoso. Não é isto apontar a minha própria felicidade?
Resposta. A mente não aponta à satisfação do desejo, senão à conseqüência da coisa desejada. Suponhamos que você vê um mendigo, ao qual você dá um pão. Teu objetivo é aliviar ao mendigo. Este é o objeto desejado, e quando o dá, teu desejo está satisfeito e você é feliz. Mas se ao aliviar ao mendigo o objetivo era tua própria felicidade, então o aliviar ao pobre não satisfará teu desejo, e você não terá satisfação dele.
Assim pois, tanto a lei como o evangelho requerem benevolência desinteressada como a única condição abaixo da qual o homem possa ser feliz.
Uma vez resolvidas estas objeções, voltemos agora a o que é a verdadeira submissão.
3. A verdadeira submissão implica aquiescência ao castigo da lei de Deus.
Novamente faço a distinção que fiz antes. Não estamos neste mundo simplesmente debaixo do governo da lei nua. Este mundo é uma província do império de Jeová, e está em uma relação peculiar com o governo de Deus. Se rebelou; e logo foi feita uma provisão nova e especial, pela qual Deus nos oferece misericórdia. As condições são que obedeçamos os preceitos da lei e nos submetamos à justiça do castigo. É um governo pela lei, com o evangelho, agregado ao mesmo. O evangelho requer a mesma obediência que a lei. Sustem os merecimentos do pecado e requer que o pecador reconheça a justiça do castigo. Se o pecador estivesse meramente debaixo da lei requereria que se submetesse ao castigo. Mas o homem não está, e nunca esteve, mesmo desde a caída, debaixo do governo da mera lei, senão que sempre conheceu mais ou menos claramente que se oferece-o misericórdia. Portanto, nunca se requereu que esteja disposto a ser castigado. É neste aspecto que a submissão ao evangelho difere da submissão à lei. Debaixo da lei só, a submissão consistiria em sua aceitação de ser castigado. Neste mundo a submissão consiste na aquiescência à justiça do castigo, e enquanto a si mesmo, a admitir que merece a eterna ira de Deus.
4. A verdadeira submissão implica aquiescência à soberania de Deus.
O dever de todo soberano é ver que seus súditos se submetam a seu governo. E é seu dever o promulgar leis tais que cada indivíduo, se as obedece perfeitamente, vá fomentar o bem público no maior grau possível. E por ele, se alguém recusa obedecer, é seu dever tomar ao indivíduo rebelde pela força e fazer que se submeta ao interesse público da melhor maneira possível. Se não quer submeter-se ao bem público de modo voluntário tem que fazê-lo de modo involuntário. O governo tem que finalizá-lo enforcado, ou de alguma maneira colocá-lo como exemplo de sofrimento; ou também se o bem público admite misericórdia, mostrá-lo misericórdia de tal maneira que isto sirva para o interesse geral. Agora bem, Deus é um soberano, e a submissão que requer é justa. Ele descuidaria seus deveres como governante se não o requeresse, e como você recusou obedecer este requerimento, agora tem que colocar-se em sua mão para que disponha de você, para o tempo e a eternidade, na maneira que melhor fomente os interesses do universo. Você perdeu todo direito que tinha a uma porção de felicidade no universo ou a favor de Deus. E o que se requer de você, agora, posto que não podes render obediência pelo passado, é reconhecer a justiça de sua lei, e deixar teu destino futuro inteiro e incondicionalmente a sua disposição, para o tempo e a eternidade. Você terá que se submeter com tudo o que tem e com tudo o que é. Você perdeu tudo e deverá entregar tudo a sua disposição, na forma em que Ele te chame, para favorecer os interesses de seu reino.
5.Finalmente requer submissão aos termos do evangelho. Os termos do evangelho são:
(1) Arrependimento, pena no coração pelo pecado, justificar a Deus e tomar sua parte contra de você mesmo.
(2) Fé, perfeita confiança em Deus, tal que te faça colocar-lhe corpo e alma, o que têm e és, em suas mãos, para que faça contigo o que creia ser bom.
(3) Santidade, ou benevolência desinteressada.
(4) Receber a salvação como pura graça à qual não você não tem direito algum de acordo com a justiça.
(5) Receber a Cristo como teu mediador e advogado, tua expiação, teu rei e mestre, e em todos os cargos nos quais Ele se apresenta a você na Palavra de Deus. Em resumo, deve dar tua plena aquiescência à forma de salvação designada por Deus.
Conclusão
I. Vês, pois, que há muitas esperanças falsas na igreja.
A causa é que muitas pessoas abraçam o que consideram o evangelho, sem render obediência a lei. Estas tendências sempre se manifestaram entre os homens. Há uma certa classe que sustém o evangelho e recusa a lei; e outra classe que aceita a lei e descuida o evangelho. Os antinomianos desejam libertar-se da lei por completo. Supõem que a regra do evangelho é diferente da lei; enquanto que a verdade é que a regra de vida é a mesma em ambos, e ambos requerem benevolência desinteressada. Agora bem, se uma pessoa pensa que baixo o evangelho pode evitar que a glória de Deus seja seu objetivo supremo, e em vez de amar a Deus com todo seu coração alma e força, pode fazer de sua própria salvação seu objeto supremo, suas esperanças são falsas. Abraçou outro evangelho, que não é o evangelho em absoluto.
II. O tema mostra como temos que enfrentar-nos com a objeção comum, que a fé em Cristo implica fazer de nossa salvação nosso objetivo ou motivo supremo.
Resposta. O que é a fé? Não é crer que você será salvo, senão crer na palavra de Deus com respeito a seu filho. Não se revela em parte alguma que você será salvo. Ele revelou o ato de que Jesus Cristo veio ao mundo para salvar os pecadores. O que você chama fé é mais propriamente esperança. A expectativa confiada de que você será salvo é uma inferência do ato de fé; e uma inferência que têm o direito a ter quando você é consciente de obedecer a lei e crer no evangelho. Isto é, quando você exerce os sentimentos requeridos na lei e o evangelho têm o direito a confiar em Cristo para tua salvação.
III. É um erro supor que se desesperar pela misericórdia é essencial para a verdadeira submissão.
Isto se vê claro do fato que, baixo ao evangelho, todo mundo sabe que é a vontade de Deus que toda alma que exerça benevolência desinteressada seja salva. Suponhamos que um homem vem e me pergunta: O que devo fazer para ser salvo?” E eu o digo: Se você esperar ser salvo deve entrar em desespero de chegar a ser salvo.” O que pensaria? Que autor inspirado nunca deu uma resposta ou instrução assim? Não, a resposta inspirada é: Amarás ao Senhor seu Deus de todo teu coração.” Arrependa-se” Creia no evangelho”, e assim sucessivamente. Tem algo aqui que implique desespero?”
É verdade que os pecadores às vezes se desesperam antes de obter a verdadeira paz. Mas qual é o motivo? Não é porque o desespero seja essencial para a verdadeira paz, senão devido a sua ignorância ou aos ensinamentos falsos que se deu a eles ou haver compreendido mal a verdade. Muitos pecadores ansiosos se desesperam porque chegaram à falsa impressão de que pecaram mais além do dia da graça, ou que cometeram o pecado imperdoável, ou que seus pecados são graves de modo peculiar e a provisão do evangelho não os alcança. Alguns se desesperam por esta razão: sabem que há misericórdia e que está disposta para ser-lhes concedida tão pronto como cumpram com os requisitos, mas acham que todos seus esforços para a verdadeira submissão são em vão. Se sentem orgulhosos e obstinados, e não podem dar seu próprio consentimento aos termos da salvação. Talvez a maioria de indivíduos que se submetem, em efeito, chegam a um ponto em que o dão por perdido. Mas é necessário isto? Esta é a pergunta. Agora, como se vê, não é nada mais que sua própria maldade que os leva ao desespero. Estão mal dispostos a lançar mão da misericórdia que se ofereceu-lhes. Seu desespero, pois, em vez de ser essencial para a verdadeira submissão baixo o evangelho é incompatível com ele, e ninguém pode abraçar o evangelho neste estado. É uma incredulidade horrível, pois é o pecado do desespero; e dizer que é essencial para a verdadeira submissão é dizer que o pecado é essencial para a verdadeira submissão.
IV. A verdadeira submissão é aquiescência a todo o governo de Deus.
É aquiescência a seu governo providencial, a seu governo moral, ao preceito de sua lei e ao castigo de sua lei, de modo que o indivíduo admita que mereça um grande e eterno peso de condenação de maneira muito elevada; e a submissão é aos termos da salvação do evangelho. Baixo o evangelho não há ninguém que tenha o dever de estar disposto a ser condenado. É totalmente incongruente com seu dever o estar disposto a ser condenado. O homem que se submete à lei pura e consciente em ser condenado, esta tanto em rebelião como antes; porque um dos requerimentos de Deus é que temos que obedecer ao evangelho.
V. O chamar ao pecador para que esteja disposto a ser castigado é um grande erro por muitas razões.
É por de lado o evangelho, e colocá-lo baixo outro governo do que existe. Põe diante dele uma visão parcial do caráter de Deus, ao qual lhe requer que se submeta. Esconde os verdadeiros motivos da submissão. Apresenta não ao Deus real e verdadeiro, senão a um ser distinto. É praticar um engano nele, mantendo a idéia de que Deus deseja sua condenação e deve submeter-se a ela; porque Deus deu seu solene juramento de que não deseja a morte do pecador senão que se arrependa e viva. É uma calúnia contra Deus, e é acusá-lo de prejuízo. Todo homem baixo ao evangelho sabe que Deus deseja que os pecadores sejam salvos e é impossível esconder este fato. A verdadeira base sobre a qual deve-se colocar para a salvação é que não se deve buscar a própria salvação, senão a glória de Deus; não se deve sustentar a idéia de que Deus deseja ou intenciona que ele vá ao inferno.
O que diziam os apóstolos aos pecadores quando lhes perguntavam o que deviam fazer para ser salvos? O que lhes disse Pedro no dia de Pentecostes? O que disse Paulo no cárcere? Que se arrependam e abandonassem seu egoísmo e cressem no evangelho. Isto é o que os homens devem fazer para serem salvos.
Há outra dificuldade ao tentar converter os homens, submetendo-os ao castigo voluntariamente. É tentar convertê-los pela lei, pondo de lado o evangelho. É tentar fazê-los santos sem as influencias apropriadas para fazê-los santos. Paulo tentou este método, conscientemente, e encontrou que nunca dá resultado. No capítulo sete de Romanos nos dá os resultados de seu próprio caso. O levou a confessar que a lei era santa e boa e que havia que obedecê-la; e aqui ficou aflito, gritando: “O bom que quero fazer, não faço, senão o mal que não quero fazer, isto faço.” Precisamente, aqui o amor de Deus ao enviar a seu Filho Jesus Cristo se apresenta na mente e faz a obra. No seguinte capítulo explica: “Porque, aquilo que a Lei fora incapaz de fazer por estar enfraquecida pela carne, Deus o fez, enviando seu próprio Filho, à semelhança do homem pecador, como oferta pelo pecado. E assim condenou o pecado na carne, a fim de que as justas exigências da Lei fossem plenamente satisfeitas em nós, que não vivemos segundo a carne, mas segundo o Espírito.” Toda a bíblia testifica que é só a influência do evangelho que pode levar os pecadores a obedecer a lei. A lei nunca pode fazê-lo. O apartar da alma os motivos que constituem a essência do evangelho nunca converterá o pecador.
Sei que há algumas pessoas que crêem que se converteram dessa maneira, e que se submeteram à lei de modo absoluto, sem influência alguma do evangelho. Porém, se escapou deles por um só momento que Cristo morreu pelos pecadores, e que devem arrepender-se e crer se querem ser salvos? Estes motivos devem ter tido sua influência, pois em tanto que pensavam que olhavam a lei pura esperavam que se cressem seriam salvos.
Suponho que o erro de tentar converter aos homens pela lei se acha aqui; na antiga noção de Hopkins que os homens, para serem salvos, deviam estar dispostos a serem condenados. Esta idéia prescinde do fato que este mundo está, e tem estado desde a caída, sempre baixo à dispensação da misericórdia. Se estivéssemos baixo ao governo da mera lei, a verdadeira submissão a Deus requereria isto. Mas os homens não estão baixo à lei neste sentido, nem nunca estiveram; porque imediatamente depois da caída Deus revelou a Adão a intimações ou indícios da misericórdia.
Há uma objeção que pode fazer-se e que vou contestar de antemão.
Objeção. Não é o oferecimento de misericórdia no evangelho de tal forma que pode produzir uma religião egoísta?”
Resposta. A oferta de misericórdia pode ser pervertida, como qualquer outra coisa boa, e com ele dar lugar a uma religião egoísta. E Deus sabia que podia ser assim quando revelou o evangelho. Mas observe-se: Nada pode ser mais apropriado para submeter o coração rebelde do homem que esta mesma demonstração da benevolência de Deus na oferta de misericórdia.
Houve um pai que tinha um filho rebelde e obstinado ao qual tratou de submetê-lo por meio de castigos. Amava a seu filho e desejava que fosse virtuoso e obediente. Mas o filho parecia endurecer seu coração contra seus esforços repetidos. Ao final o pobre pai estava tão desanimado que caiu em choro compulsivo: “Meu filho! Meu filho! O que poso fazer? Posso salvá-lo? O que mais posso fazer?” O filho olhava os castigos com a maior indiferença, mas quando viu as lágrimas do pai rodar por suas bochechas, e ouviu seus soluços de angústia, caiu também em lágrimas e gritou: Açoite-me, Açoite-me! Açoite-me, mas não chores!” Agora o pai havia achado a maneira de submeter aquele coração endurecido como uma pedra. Em vez de aplicar-lhe a vara de ferro da lei, o apresentou a sua alma; e qual foi o resultado? O derrotou numa submissão hipócrita? Não, a vara fazia isto. As lágrimas de amor do pai quebrantaram seu coração e o submeteram de modo verdadeiro à vontade do pai.
O mesmo ocorre com os pecadores. O pecador desafia a ira do Deus Todo-Poderoso, e se endurece para receber os golpes do raio de Jeová; mas quando vê o amor do coração do Pai Celestial, se há algo que ainda possa fazê-lo aborrecer-se e desprender-se de si mesmo, isto o fará ver a Deus manifestar-se em carne, baixando-se a tomar a forma humana, pendurado na cruz, e derramando lágrimas, suor e sangue de sua alma e morrendo na cruz. É isto adequado para fazer hipócritas? Não, o coração do pecador se derrete e grita: “Oh, faça qualquer outra coisa, posso resisti-lo; mas o amor do bendito Jesus me constrange.” É próprio da mesma natureza da mente o ser influenciada desta maneira. Portanto, em vez de ter medo de mostrar o amor de Deus aos pecadores, este é o único modo de submetê-los e fazê-los verdadeiramente submissos e verdadeiramente benevolentes. A lei faz hipócritas, mas só o evangelho pode atrair sua alma ao verdadeiro amor a Deus.
Notas: Artigos Práticos sobre o Cristianismo – Art. II. 1837